sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Os deuses, os artistas e as crianças em nós.

Ontem à noite eu tive mais uma rodada reveladora na minha vida. Completamente sem tempo, arranjei tempo e estou participando de dois grupos de estudo à noite. Num deles, baseado no livro “The artist way”, tento resgatar minha alma artista. No outro, o de ontem, junto com algumas corajosas mulheres, estou estudando a mitologia. Mais especificamente, as deusas e sua influência nas nossas vidas de simples mortais. E agora, como eu paro tudo isto? Fiquei muito tempo sem escrever também pela falta de tempo, mas principalmente pela falta de entendimento de tudo o que tenho observado por aí. Tem paradigmas ditos consolidados se dissolvendo, fichas caindo por todos os lados, gente se encontrando e outros tantos se perdendo de um jeito bem sério. As grandes instituições, as verdades absolutas, as certezas não são mais assim, tão certas. E um espaço novo se abre. Como todo novo, dá frio na barriga, mas traz consigo uma intensa possibilidade de recomeço. Acompanho, de perto, alguns movimentos de entrega. E vejo também muita gente grande virar criancinha assustada diante de tantas possibilidades. Eis que ontem, me aproximando da história de Afrodite, consegui conectar estes mundos que aparentemente não deveriam se falar. Há pouco mais de um mês levei num fórum de executivos a mitologia como forma de contar uma história. Ouvindo a história de 40 decisores do mundo corporativo, cheguei na alma pessoal de cada um deles (delas) que, sem cargos ou crachás, trouxeram em suas falas aquilo que os alimenta como seres humanos que são. Somos movidos por desafios, por projetos. Mas também pela beleza, pela estética, pelo cuidado. Mais uma vez, não é "ou". É “e”. Somos Afrodites (ou Vênus) e Marte (ou Aries) e é a soma destas possibilidades dançando em nós que nos completa e preenche um grande vazio existencial. Assim como me descubro em cada encontro um pouco Artemis (livre, selvagem), sei da importância de chamar uma Atena (intelectual, focada) ou Deméter (amorosa, mãezona) em diferentes momentos da minha vida. A consciência de que todas elas coexistem em mim (em nós) é o que liberta e nos reconecta com nossas essências. O artista é exatamente isto. Tenho convicção de que nascemos artistas. E o perdemos pelo caminho. Que temos histórias, sonhos e jornadas muito próximas e que ao ouvirmos a história do outro, nos escutamos. Ontem, na nossa roda de mulheres, mais parecíamos menininhas, crianças atentas com olhos enormes e brilhantes escutando as nossas próprias histórias refletidas através dos mitos. Dia destes, recebi um vídeo do filósofo Clovis de Barros no Jô. Já virou meio spam. Todo mundo fala sobre ele. Me identifiquei em muitas das falas. No nosso papel no mundo de permitirmos que as plantas das pessoas desabrochem. E no conceito bem simples de que felicidade é um momento que não queremos que acabe. Ontem o tempo voou. Desabrochei mais um tanto. E tenho desabrochado através das histórias que escuto e vivo. E por meio de muitas e generosas pessoas que dão mais vida e sentido à minha vida. Como comentei com as meninas, vivo o momento mais exaustivo de todos os tempos. E o mais intenso e feliz.


segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Estar-se preso por vontade.

Nunca a frase do Legião Urbana fez tanto sentido pra mim. Inspirada no original de Camões, "é querer estar preso por vontade", o contexto apareceu na entrelinha de uma conversa com um ex-cliente, agora amigo. Ele acabou de se aposentar. E assistiu à minha palestra no TEDx Laçador. Ficou mexido. Me escreveu. Me contou coisas da vida, na sabedoria de quem viveu muito e segue aprendendo. Entre muitas reflexões, falou que esteve recentemente com ex-colegas do tempo do colégio. Todos na mesma fase da vida, se reinventando depois de longas jornadas corporativas. Segundo ele, o grande dilema desta etapa não está no adaptar-se às novas rotinas. O medo não é o de sentir falta do trabalho, mas o de passar por privação financeira. "Quanto mais cedo aprendermos que é possível viver com menos, mais coragem vamos ter para fazer aquilo que nos dá alegria de viver", contou. Tenho exercitado mentalmente este conceito de liberdade. E ele é bem maior que pegar uma mochila a qualquer momento e sair pelo mundo. Tem a ver com a sensação de ser livre para recomeçar e com imaginar isto possível todo dia de manhã, ainda que não o façamos. Com estar em projetos de clientes porque eles também alimentam nossas almas, e não somente porque precisamos deles para pagar as contas. Com conviver com pessoas que tiram o melhor de nós e com escolher não mais estar com outras tantas, que não acrescentam - e ainda subtraem. Liberdade é um sentimento. Não necessariamente uma ação. Ainda pensando a respeito das vidas corporativas, enxergo grandes escravos de luxo por aí, pessoas que não podem sequer questionarem as próprias carreiras porque jamais conseguirão ganhar nem perto do que recebem no lugar atual. E têm contas proporcionais à responsabilidade. Outros, por bem menos, tornam-se também escravos de carnês. Não pagar lhes tira a dignidade. Crédito é o seu cartão de visitas. O dinheiro, meus caros, aprisiona. Nos dois extremos, com igual crueldade. Mas pode também ser libertador. Falei na mesma palestra do TEDx sobre o lucro admirável, aquele de empresas cuja sociedade aplaude quando acontece. Usei como exemplo aquele amigo bacana que vibramos quando dá certo na vida porque sabemos que fará bom uso do que produzir. Vai viajar, fazer cursos. Vai tornar-se uma pessoa ainda mais bacana - e ainda compartilhar tudo por aí. Com dinheiro na mão, o fluxo flui. Ninguém vai para o inferno porque é capaz de gerar riqueza. Tem a ver com merecimento, com sermos reconhecidos porque somos capazes de produzir coisas boas. Falando ainda musicalmente, acho que o Frejat também resumiu muito bem esta história toda: "Eu desejo que você ganhe dinheiro pois é preciso viver também. E que você diga a ele pelo menos uma vez quem é mesmo o dono de quem."

Pra quem ainda não viu, segue o link da minha palestra no TEDx Laçador: 
http://www.youtube.com/watch?v=3hdznmYhIzE&feature=youtu.be


sábado, 17 de agosto de 2013

A dor da separação.

Carolina, 9 meses, segue me ensinando. Desta vez, minha grande professora me deu uma aula sobre a dor da separação. Tinha lido já a história de que o bebê humano vive 9 meses dentro da barriga e 9 meses fora. Somente então, está próximo de outro mamífero qualquer recém-nascido. É como se a saída da barriga fosse só parte do processo da gestação. Totalmente dependente, quase um apêndice da mãe, o bebê termina de ser formado fora, mas bem dentro. Pois bem, eis que a minha pequena começou a apresentar uns sintomas inquietos nas últimas semanas. Passou a acordar assustada à noite e a choramingar mais a minha presença. Acabei chegando a alguns artigos que falam na tal “dor da separação”. A grosso modo, a dor acontece mais ou menos quando o bebê descobre que ele e a mãe não são a mesma coisa. Passa a ter medo dela desaparecer. A fusão, antes tão intensa, começa a se desfazer e ele, o bebê, passa a descobrir que existe por si, que é um ser humano integral, e não parte da mãe. Isto dói. Dá medo. Mas faz crescer. É, portanto, uma fase fundamental. Para a mãe, que tem que estar perto, é preciso passar segurança, tranquilidade. Para os demais que convivem com a criança, também. Não dá mais para voltar para o útero. O próximo estágio é ir em frente, caminhar, descobrir o mundo. Dói mais pra mãe, às vezes.
Esta semana, não por coincidência, estive com algumas mulheres fortes e corajosas. Falamos, por tabela, da tal dor da separação. Uma delas largou a carreira bem sucedida e, aos 40, foi viver um amor de verdade nos Estados Unidos. Largou a estabilidade, a casa bem montada, um emprego de fazer inveja às amigas e foi andar de bicicleta numa cidade pequena onde, claro, empreende com o novo marido. Casou e está recomeçando a viver. Outra, também largou a carreira corporativa e, com filhos pequenos, desenhou um novo negócio que vai colocar em prática a partir do ano que vem. Tudo a ver com ela. O olho brilha quando conta detalhes do projeto. Uma terceira, que conheci ontem à noite, do nada, no aniversário de uma grande amiga, estava em São Paulo para um final de semana relâmpago com o namorado, também americano, que conheceu num congresso meses atrás. Ela do Paraná, terapeuta. Ele psiquiatra. Ela, filhos pequenos. Ele, filhos criados. Ela não falava inglês. Estão aprendendo a se comunicar. E o inglês dela flui que é uma beleza perto dele. Não há planos de futuro. Não há perspectivas. Mas estão vivendo a história em encontros pelo mundo, quando dá. Step by step.
Não são histórias de amor. São, no meu ponto de vista, histórias de pessoas que têm a coragem de viver a dor da ruptura. Que se expuseram para o novo e se libertaram de amarras. Aos 9 meses, passamos pela primeira de muitas destas quebras. A ida para o colégio, a saída da casa dos pais (no meu caso, aos 17 anos), a mudança de cidade, um novo emprego, um projeto que sai do papel. E não precisa mudar de país ou largar o emprego para viver estas quebras. Às vezes, as mudanças são sutis. Ainda assim, intensas e transformadoras. Todas elas carregam em suas essências as estrias do crescimento, o frio na barriga do desconhecido. Mas são graças a elas que temos a infinita capacidade de nos reinventarmos. A descoberta da Carolina de que ela é só é também uma feliz oportunidade de se perceber única. E cheia de possibilidades. Quando descobrimos que somos, de fato, sozinhos, isto nos liberta. Estamos com as pessoas – pelo tempo que for – porque nos enxergamos através delas. São todas bem-vindas. Mas a trajetória é nossa. O dia que descobrirmos que somos nós os verdadeiros amores das nossas vidas, a dor pode doer menos. Ou, se doer, ao menos é uma dor que abre novos caminhos. E não aquela que nos aprisiona como crianças amedrontadas embaixo da cama.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Entusiasmo.

Tem um monte de gente que eu curto, admiro, gosto de ler, ouvir. O Eduardo Galeano é um deles. Descobri um videozinho recente, direto da Praça Catalunya, na Espanha, onde ele fala, entre outras coisas, sobre o conceito de entusiasmo. Do grego, tem a ver com "ter os deuses dentro". Já comentei por aqui de um indiano que me contou que Deus vive dentro da gente. E já falei sobre "voltar a beber na própria fonte". Tudo a mesma coisa. Tudo faz muito sentido pra mim. Ora, se os deuses vivem dentro da gente, não dá pra tentar enfiá-los "goela abaixo" nos corpos de outras pessoas. Eles já estão lá, adormecidos. Cabe a nós, se quisermos, tentarmos despertá-los. Já nascemos empoderados. Temos todas as ferramentas. Mas a escolha de usá-las ou não é somente nossa.
Nunca vi tanta gente desanimada, reclamando. Também nunca encontrei tanta gente "entusiasmada" por aí. Gente que tem tomado as rédeas da própria vida e recriado suas histórias. Que tem construído legados. Este é outro conceito que eu gosto muito. E que aprendi com o Nuno, um português amigo também já citado em posts anteriores. Segundo o que ele me contou, morremos quando deixamos de ser lembrados. Não quando nosso corpo vai embora. Quando construímos algo tão bacana em vida, que somos citados de forma recorrente em conversas, mesmo quando já não estivermos por aqui.
Nesta semana encontrei uma turma "entusiasmada" de jovens, num projeto lindo de uma empresa de tecnologia. Engenheiros, ex-bancários, todos podiam estar curtindo uma aposentadoria generosa. Mas decidiram empreender. Não contentes com isto, têm criado encontros inovadores dentro da empresa. Fui chamada como "inspiradora" de um deles. Tem a ver com novos modelos de educação e com a descoberta de novos talentos. Colocaram 9 meninos (e uma menina), de 12 a 18 anos, classes sociais diferentes, vivências diversas, numa sala por algumas semanas (uma manhã por semana) para aprenderem alguns conteúdos e para pensarem nos seus futuros. Mostraram o mercado, contaram o bastidor de uma empresa de verdade e os ajudaram a enxergar o futuro. Quem deu as aulas? Os funcionários. Quem ajudou no fechamento? Euzinha. Uma delícia. Fiz com eles uma dinâmica de resgatar, num texto escrito a mão (eles não têm o hábito de escrever), cinco pessoas que foram fundamentais para chegarem ali naquele momento. Criaturas que foram definitivas na construção das suas personalidades. Apareceram, além de mães, pais e amigos, o Bob Dylan, o Steve Jobs, um tio amoroso que sempre jogou videogame com um deles e até a figura do game Pacman. Fiz o exercício mentalmente enquanto eles escreviam. E me revi crescendo e formando quem eu sou. Apareceu, claro, o meu pai, sempre uma referência intelectual pra mim, que me contou que eu escrevia bem, que carregava minhas poesias recortadas na carteira. Nunca morreu na minha memória. Ao mesmo tempo, pegando carona com o Nuno, me pego pensando em como serei lembrada daqui a alguns anos, quando não estiver por aqui. Serei, afinal, lembrada? Por quem? Em que contexto? Nascer e morrer não são escolhas que possamos controlar. Mas com 8 ou 80, temos sempre pela frente todas as possibilidades. Se depender dos meus deuses internos, animados como são, tenho muito trabalho pela frente. Tomara deixar na memória de alguns um pedacinho deste mundo novo que vem aí.

O link pro vídeo do Galeano que comentei. Conta que estamos parindo algo novo". "Hay otro mundo que nos espera", disse :) http://www.youtube.com/watch?v=j2IYgytRs90

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Essencial.


Faz dias que eu venho ensaiando muitas coisas pra escrever no blog e nenhuma delas me tocou tanto quanto a questão do "reencontrar aquilo que é essencial na vida da gente." Falei, dia destes, sobre o que o filósofo francês Jean Bartoli comentou sobre "voltar a beber na própria fonte" e isto tem feito muito sentido pra mim. O livro "The artist way" tem que parcela de responsabilidade nesta mexida boa. O fato é que neste mundo cada vez mais caótico e cheio de possibilidades, o difícil é ser simples. Escrever rebuscado é fácil. Quero ver fazer como o Mario Quintana. Serve pra tudo na vida. Enfeitamos demais, esperamos demais das pessoas, planejamos muito e vivemos, de fato, pouco. Parece que perdemos energia demais rascunhando e, parafraseando o Quintana de novo, não dá tempo para passar a limpo. Semana passada eu dei uma palestra para muitos executivos donos de empresas, clientes de um grande banco. Ouviram, atentos, o que poderiam fazer para transformar suas empresas, muitas delas familiares, em grandes marcas. Como fazer sem dinheiro, sem tempo, sem grandes estruturas? Mais fácil ainda, já que o elefante branco ainda é pequeno e fácil de manejar. Complicar nas estruturas empresariais também tem sido uma moeda corrente. Depois, ninguém sabe onde tudo começou e muito menos alguém tem coragem de desatar os nós. Acho que esta é uma boa pista. Começar desmanchando, desfazendo, resgatando, relembrando quem somos, afinal, em essência. Nunca os restaurantes ditos caseiros estiveram tão na moda. Comer em casa virou luxo. E o feijão da avó vale ouro como nunca. Amigos fazem escambo de roupas de bebês, livros, das próprias roupas. Piqueniques nos parques são frequentes em cenas urbanas mesmo nas grandes cidades. O que tem por trás de tudo isto? Um grande inconsciente coletivo em busca daquilo que nos move como seres humanos que somos: contato físico, cuidado, acolhimento, detalhe, memórias auditivas, olfativas e visuais, bilhetes, cartinhas, pequenos mimos personalizados, resgatar o convívio com os vizinhos de porta. Aprendi rccentemente alguns pequenos rituais que ajudam a resgatar parte disto tudo. De jeitos irritantemente descomplicados. Vou contar alguns pra vocês. O primeiro, do livro "The artist way", fala nas "morning pages". Segundo a autora, começar o dia escrevendo, a mão, três folhas inteiras do que vier à cabeça abre um espaço imenso para a criatividade fluir. Assim, sem medo, três folhas e uma caneta na mão, julgamentos de lado, e frases que são libertadas. Segundo o que li hoje no Facebook do Marcelo Ruschel, que palestrou no Tedx Laçador comigo há alguns dias,  "você precisa repetir 21 vezes um gesto para virar um hábito". Pode ser um bom começo. Outra dica que aprendi, desta vez com uma viajante do mundo, foi a de ter um caderninho na beira da cama para todo dia de manhã agradecer 5 coisas bem simples. Todo dia a mesma coisa. Todo dia 5 coisas novas, que não podem ser repetidas. As mais simples e inesperadas, de preferência. Outra criatura, empolgada com o embalo da conversa, ensinou a termos um baú de grandes realizações. Uma vez na semana, no final de semana, por exemplo, dá para escrever no papel o que de bom se viveu naqueles dias que passaram. Toda semana a mesma coisa. Uma frase, uma memória e a data. No fim do ano, perto ao Ano-Novo, como num grande ritual de celebração, o dono do baú abre a caixa mágica e revive, um a um, cada um dos momentos. Estou tentando fazer os três. Não sei se terei disciplina para mantê-los. Tampouco vou sofrer se perder uma ou duas rodadas das "morning pages". O que sei é que tenho tentado me preservar, me proteger e focar a energia em coisas realmente relevantes para minha vida. Os rituais sempre ajudam nestes casos. Se eu mesma não for guardiã da minha fonte, quem irá alimentá-la?

domingo, 21 de julho de 2013

Amigo dos sonhos.

Ontem eu recebi uma série de mensagens bem lindas sobre o dia do amigo. E fiquei pensando, aqui comigo, no verdadeiro significado destas pessoas na vida da gente. Família a gente não escolhe. Ou melhor, escolhe, em outro plano. E estamos aqui para aprender e para crescer com ela. Mas os amigos, estes são, sim, fruto de nossas escolhas bem terrenas. Assim, pé no chão e com uma boa dose de sexto sentido no pacote. Ontem, justo no dia do amigo, eu tive uma prova de amizade que não tem preço. Fui acolhida, sem julgamentos, por uma grande amiga que apenas me cuidou e me ouviu. Me deixou dormir e esteve ali, inteira, caso eu precisasse. Uma criatura que não mede palavras para me "trazer de volta à realidade" quando eu saio demais da caixa e que sabe me dar empurrões quando estou a um passo de uma grande decisão. Não passa a mão na cabeça, mas sabe dar colo como ninguém. Pra mim, pra minha filha e pro até pro maridão. Fico pensando nos nossos papeis como pais, como amigos. E no quanto dar a real faz parte da construção de homens e mulheres íntegros. Dizer sim sempre, elogiar sempre e achar tudo lindo não é tão lindo assim. Mas qual a medida para mostrar o outro lado sem puxar para baixo, sem desestimular ou bloquear? No curso que eu fiz na semana passada - e que comentei no blog, o "The artist way", falamos sobre isto. Sobre o quão valiosos são os sonhos das pessoas. E de que não temos o direito de julgá-los. Acho que amigo, em essência, tem a ver com isto. Com sonhar com a gente, fazer parte do sonho, ajudar a construir o sonho, vibrar com ele, festejar, compartilhar. E se um dia, por algum motivo, algum deles virar pesadelo, ele vai estar ali do lado pra nos segurar.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

The artist way

Ontem eu reencontrei minha alma artista num delicioso encontro onde corajosos "seres humanos normais" se propuseram a se entregar. Foi mediado por uma menina de nome Flor, cujo olhar brilha ao organizar este tipo de encontro. Alguns bons amigos, curiosos, toparam e também foram. O tempo voou e, quando vimos, eram 23h. A proposta do encontro foi, inspirados no livro "The artist way", experimentarmos algumas situações bem simples de reconexão com nossa alma criativa, sem aquelas vozes críticas tão duras, sem medos e com grande alegria. E assim o foi. Éramos uns 15 e, ao final, foi como se fôssemos centenas, tamanha foi a lembrança que tivemos de pessoas que fizeram - e ainda fazem diferença nas nossas vidas. Aqueles amigos de infância que nos ajudaram a decidir a profissão de hoje, aqueles não tão amigos, que nos bloquearam naquilo que suspeitávamos sermos bons, a família, os colegas e ainda os desconhecidos ali presentes, que trouxeram dicas assim, na hora, e acabaram nos ajudando a desenhar novas rotinas para nossas vidas. A proposta do livro é bem simples: durante 12 semanas o leitor deve se propor a fazer uma atividade diferente por dia para, de forma bem leve, libertar o artista que vive aprisionado nos nossos julgamentos internos. Surgiram momentos únicos e difíceis de descrever. E insights bacanas. Dentre eles, a sutil diferença entre o medo e a curiosidade, a certeza de que todos somos todos gênios e a percepção de que se formos esperar o dinheiro que gostaríamos, talvez não façamos as coisas que sonhamos. "A head full of fears has no space for dreams", dizia um cartaz. Não precisaria um encontro como este para que cada um dos presentes pudesse, com uma boa dose de disciplina, seguir os passos do livro e, ao final de 12 semanas, se redescobrir. Mas, como uma boa defensora das conversas circulares, não tenho dúvida de que aquelas pessoas tinham que estar ali e que o círculo enriqueceu muito as pequenas grandes vivências de cada um dos presentes. Não teríamos conhecido um casal aventureiro que recém chegou de volta ao Brasil, sedento por um boteco com amigos, depois de dois anos de volta ao mundo em busca de sentido pras suas vidas. Não teríamos encontrado meninas inquietas que recém largaram os empregos, nem as que, ainda nos seus, estão a um passo de pedirem pra sair. Não teríamos torcido para a máquina fotográfica de uma moça chamada Diva a acompanhasse com calma nas próximas corridas, em caminhadas relaxadas depois das provas. Nem teríamos descoberto que um engenheiro focado em TI é tão hábil para fazer um origami de papel em forma de pássaro. Não teríamos, juntos, criado mil e um usos para o rolo do papel higiênico, nem brincado com massinha de modelar nem aprendido a colocar numa cestinha, toda sexta-feira todos os grandes feitos da semana. Beber da própria fonte, como disse o querido filósofo francês Jean Bartoli, é fundamental. Mas bebericar em fontes externas é também bem rico e renovador. Um brinde às almas artistas!

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Assim, um propósito.

Há umas duas semanas eu estive com o Marcelo Cardoso que, entre um assunto e outro, falou da importância de se ter um propósito na vida. Disse ele: “se você não tem um propósito de vida, seu propósito pode ser o de encontrar o seu propósito de vida”. Tem um outro ditado bem popular que fala mais ou menos a mesma coisa. "Se você não sabe para onde vai, qualquer caminho serve." Tenho acompanhado muita gente sem propósito por aí. Gente que acorda de manhã e não tem a menor ideia do motivo pelo qual está por aqui. Não que seja fácil. Quem dera o fosse. Mas ter uma mínima ideia do que te move parece, ao menos, facilitar um pouco algumas decisões bem simples. Falava com um amigo hoje que me relembrou o quanto o tal propósito ajuda a clarear as nossas ações diárias. Para um estrategista de guerra, por exemplo, saber que o objetivo a ser alcançado era dominar tal território num tempo X dava a ele uma relativa tranquilidade de acordar a cada dia muito focado em conseguir mais um passo daquela jornada, ainda que longa. Mesmo que tivesse que esperar por meses no frio, parado, sabia que fazia parte de um plano maior. Guerras ou conquistas territorialistas à parte, este olhar para dentro e encontrar um rumo, ajuda, e muito, a termos coragem de sair da cama, mesmo naquelas manhãs frias de inverno. Estou bem convencida de que esta vontade que vem de dentro, este drive que move algumas pessoas, não tem a ver com perfil, idade, classe social. Tem a ver com energia vital vibrante. Parece, inclusive, que aqueles que enfrentam muitos obstáculos vêm “de fábrica” com uma dose extra de vontade. Choramingam de menos e realizam muito mais. No dia em que conduzimos a oficina de tricô com redação estávamos todos meio apreensivos com nossa capacidade de tricotar. Eu não o fazia há pelo menos 30 anos. E muitas pessoas nunca haviam tocado em agulhas. Eis que uma menina linda e sorridente deu uma verdadeira aula a todos nós e foi quem puxou a turma a começar o tal treino. Detalhe: ela não tem uma das mãos. E assim, do jeito que dava, contou um truque que aprendera para dar o primeiro laço e iniciar o processo de colocar a linha na tal agulha. Saiu sorrido e tricotando e ainda ajudou todo mundo a derrotar seus medos. Mimimi de menos e propósito de vida demais. Hoje este mesmo amigo que falou comigo sobre os estrategistas, me apresentou a um vídeo que acabou de sair do forno. Um clipe que o pessoal do Fresno fez com atletas com grandes limitações. Físicas, e não emocionais. Chama-se "Maior que as muralhas." Com uma garra de fazer inveja, eles souberam se reinventar e, assim, dia após dia, se superaram e construíram histórias incríveis. Preferiram enxergar a metade cheia do copo. O esporte tem disto. Um objetivo a ser alcançado. Melhor ainda quando tem a ver com superar a si mesmo, e não necessariamente com “vencer alguém”. Vencer nossos inimigos internos é sempre mais desafiador. Ao que parece, o trabalho do grupo tem um quê disto. De apresentar estas e outras histórias a jovens meio “sem propósito”. Espero que estas e outras iniciativas também cutuquem aqueles que não são mais assim, tão jovens. Que, além dos de 20, os de 60 possam se reinventar. E se ainda não encontraram seu propósito, que usem toda sua bagagem acumulada como atalho. Para que possam acordar todo dia de manhã com a energia transformadora dos de 20.

* Ah. O vídeo que comentei sobre atletas que se superaram (foi ao ar ontem): http://www.youtube.com/watch?v=eAaNEMJeC7U

** e o link da já consagrada fala do Marcelo Cardoso no TEDx Laçador, no ano passado. Também fala sobre propósito :) http://www.youtube.com./watch?v=yXKZjbqq_zU

terça-feira, 2 de julho de 2013

Assim, high touch.

"Conversando a gente se entende". Esta frase me acompanha há tempos e tem feito cada vez mais sentido. Não só pela delícia que é um "dedo de prosa", como dizem meus amigos mineiros, mas porque é nas conversas que nos reencontramos conosco. Como quem dá aula e aprende cada vez mais sobre o assunto, quando colocamos nossas ideias pra fora estamos nos enxergando espelhados no outro. Falar sozinho também serviria, não fosse a importância do eco daquilo que sai da gente. Em tempos de redes sociais, nunca me senti tão próxima das pessoas. 
Hoje minha professora de inglês trouxe para nosso bate-papo - com café - um texto muito bacana sobre as redes sociais e seu poder de transformação. O interessante do texto é que ele mostra, com bons argumentos, que o tipo de interação que acontece hoje nos Facebooks da vida nada mais são do que os encontros que sempre aconteceram em cafés. Há tempos pensadores, artistas e criativos costumam promover encontros em lugares públicos para debaterem, trocarem ideias e, quem sabe, "até tomarem um café". As redes sociais são os próprios cafés, só que virtuais. O mesmo tipo de interação que acontece on line continua acontecendo off line. E é aí que mora a beleza da coisa. Não é uma coisa ou outra. É a soma das duas. O José Carlos Teixeira Moreira costuma falar em high tech e high touch (tecnológico ou fofinho, com toque). Pode ser real e virtual, presencial e à distância, o fato é que por mais que as redes articulem ideias, elas só acontecem de fato e "tomam corpo" quando as pessoas se encontram, se enxergam, se tocam, se escutam ressoando nas vozes dos outros. E não adianta fazer de conta que as redes não existem, proibir acesso nas empresas. Se não podemos derrotá-los, nos juntemos. Só que nas redes, as identidades que aparecem têm filtros e máscaras que muitas vezes acabam caindo nas interações de verdade. São perfeitas para encontrar pessoas distantes, espiar a ideia de uma ou outra criatura e até para substituir os noticiários que, afinal, são mais espontâneos e instantâneos nos teclados "facebookianos". Mas há um limite. De caracteres, de tempo, de espaço físico até. Espaço este que se dilui em conversas sem pressa, regadas a cafés, chás e espaços aconchegantes de interação. Vivemos em ciclos e utilizamos a tecnologia como ferramenta para expressar o nosso tempo, felizmente. Mas como seres humanos que somos, precisamos de contato, de olho no olho. Daqui a cem anos, espero, nossos netos também se sentirão assim, aconchegados e reconhecidos quando estiverem reunidos e forem ouvidos, em conversas ao pé do fogo, em rodas de amigos, cafés ou em espaços quaisquer onde possam exercer sua condição atemporal de serem pessoas únicas em essência.

* Ah, o texto que comentei: 

sábado, 29 de junho de 2013

Revoluções internas.

Estou há mais de duas semanas sem escrever no blog. Não por falta de vontade ou de assunto. Mas por respeito ao silêncio. Grandes revoluções aconteceram na minha vida neste período, mas outras tantas, infinitamente maiores, têm acontecido com a Humanidade, especialmente no Brasil, e eu ainda não tinha encontrado o fio da meada que as une. Pois bem, ontem no fim da tarde, em mais um café com conversa, alguns fios fizeram sentido e eis que estou aqui para falar sobre eles.
No dia seguinte ao meu último post, fiz uma oficina de redação com tricô com duas amigas queridas e corajosas, a Tania e a Florentine. Foi no dia 13, dia em que uma das maiores manifestações se articulava. Alguns corajosos aceitaram nosso convite e vieram tramar conosco histórias de vida. Até fizeram tricô, mas, entre um e outro pedaço de lã, surgiram também pedaços textuais que foram verdadeiros resgates. Provocamos a eles – e a nós, a se apresentarem com cinco anos de idade, trazendo elementos que fomos tecendo ao longo do encontro. Saíram textos lindos de pessoas que não necessariamente sabiam escrever. Intenso e de uma entrega ímpar. Dias depois, em Viamão, RS, tive a felicidade de falar no TEDx Laçador sobre “Desconstrução”. Na outra semana, estive com alguns outros tantos “desconstrutores”, num curso que tinha tudo para ser business e deu aula de reconexão e leitura interna.
Ontem, dia 28, fez nove meses que reunimos 42 mentes inquietas, num encontro totalmente às cegas onde falamos sobre o que nos move e o que vinha nos incomodando. Incômodos que gritavam e não encontravam eco. O Jean Bartoli, um dos filósofos que eu amo na vida, falou, neste curso da semana passada, sobre a dor que estamos vivendo com estas manifestações. Que ela pode ser a dor do parto ou a dor da hora final. Parece que chegou a hora de darmos à luz a algo que vinha nos incomodando.
Fazendo um daqueles exercícios do “e se”, fico pensando “e se os atos de vandalismo não estivessem desviando nossa atenção”, o que sobraria?

Um dos pedaços da minha fala no TEDx teve a ver com um vazio existencial que tenho assistido nas pessoas. Dos presidentes de empresas, que “chegaram lá”, aos jovens inquietos de 20 e poucos, que não têm a pretensão de chegar a este lugar que seus pais estão, o que os une é o mesmo vazio. De propósito, de sentido pra vida. Gastamos nossos tempos correndo para pagar contas e desencontramos o fio da meada das nossas próprias existências. Felizmente, ainda que com dor, recomeçamos a jornada. E estamos nos reencontrando. O Bartoli traçou toda sua fala em “voltar a beber na própria fonte”. O Igor Oliveira, amigo querido que não é filósofo, mas, felizmente, me faz parar para pensar toda hora, falou em revoluções “gandhianas”. “Seja gandhiano ou vença”, disse ele. Não acho que exista uma guerra. Muito menos que ela seja contra outro alguém. O maior de todos os desafios está em parar de apontar o dedo para fora e começar a olhar para dentro. A resgatar, um a um, os fios que dão sentido à nossa existência. Do reencontro com este grande e lindo tecido – que é único em cada um de nós, é que surgem as verdadeiras grandes revoluções.

* quem quiser conhecer um pouquinho mais do Bartoli, espie o blog dele :)
http://www.jeanbartoli.com.br/

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Assim, bem real.

Eu quero um amor bem real. De carne, osso e sorriso no rosto. Que me aceite por inteiro, sem maquiagem, com TPM, com dúvidas e medos existenciais. Quero um amor que não me julgue, que me apoie, que me coloque pra cima e me faça sentir a mulher mais linda do mundo. Quero um amor que goste de viajar. Não aquelas viagens perfeitas e programadas. Mas aquelas que a gente vira a rua quando dá vontade só pra ver o que tem no outro canto da cidade. Quero um amor que acorde alegre. Calado pode. Mal humorado, não. Que tenha um propósito de vida e que vá atrás dele com paixão. Quero um amor contagiante. Que chegue e ilumine o ambiente. Uma criatura imperfeita mas crítica para rever alguns conceitos. Alguém que me ouça,  que aceite deixar o iphone carregando no banheiro pra não cair em tentação de dar uma espiadinha no meio da noite. Quero um amor bem simples, sem frescuras. Que entenda que eu gosto de lugares mimosos e que, mesmo sem entender bem disto, se esforce pra me levar num ou outro sempre que dá. Quero um amor divertido, meio palhaço, dançarino, contador de causos. Um amor que queira construir uma família. Que, aliás,  ache lindo construir uma família. Quero um amor bem quentinho, que encoste o pé em mim no meio da noite, que se enrosque em mim e que não se importe de ter as cobertas roubadas, mesmo nas noites frias. Um amor inventor, meio professor pardal, que não se aperte, não se deprima, que não perca a esportiva. Um amor escabelado, tarado, intenso, mas que também curta ficar em casa o domingo inteiro assistindo filme com pipoca. Que me busque quando eu passar da conta com as amigas - e que leve uma garrafa de Coca embaixo do braço na operação de resgate. Quero um amor que me dê flores. Rosas vermelhas. E que chegue com elas embrulhadas embaixo do braço no meio de uma semana sem data ou motivo para comemorar. Aliás, quero um amor que esqueça as datas óbvias. Mas que me lembre o quanto sou tudo de bom assim, do nada. Que me leve pão com mel na cama de um jeitão meio tosco. Que me deixe dormir mais um pouco. Quero um amor sem fórmulas, sem cavalo branco, sem caber em caixas, sem agradar ninguém, que não a nós dois. Quero um amor bem amado. E que ele chegue na hora certa. E quando a hora chegar, eu vou saber. Opa. Chegou :)

terça-feira, 11 de junho de 2013

Diga-me como respiras.

Hoje eu participei de uma oficina que tinha tudo pra dar errado e deu muito certo. Aconteceu onde não deveria ter acontecido, tinha menos gente que o esperado (o temporal não ajudou) e foi muito na medida. Estavam exatamente as pessoas que tinham que estar e acabou ganhando ares de protótipo de uma coisa bem bacana que tem tudo para dar bons frutos logo ali na frente. Ah. Foi uma oficina de reconexão. Isto mesmo. Reaprender a se conectar consigo para, então, se conectar com o todo. Ares de yoga, temática musical inesperada e pequenos grandes aprendizados em formas de lembretes, simples e fundamentais. Um dia eu conto mais detalhes :)
No meio do encontro, uma história chegou para ilustrar a importância da consciência nas coisas que fazemos. Já tinha escutado, não sei de quem, mas adorei reouvi-la e acho que faz muito sentido. Não importa se foram os hindus que contaram ou se trata-se de uma lenda de um monge budista. Sei que conta que cada criatura que chega na Terra tem um número X de respirações que nasce com ela. Este número não pode ser mexido. É seu. Tão pessoal quanto uma impressão digital. Não temos o menor poder de transformar este número. Mas podemos medir sua intensidade. Posso escolher respirar às pressas, engolindo o ar enquanto tento conversar e me desdobrar em malabarismos ou posso respirar as mesmas respiradas calma e lentamente, sorvendo o ar com requintes de um sommelier. Não está super na moda degustar vinhos, chás, chocolates? Por que não degustar o ar? Além de diferente e divertido, dá até pra ganhar uns anos. Diga-me como respiras que te digo quanto tempo viverás.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

As cobras do caminho.

Quando eu era pequena, morava numa fazenda. Era a irmã do meio. Além dos meus dois irmãos, às vezes tínhamos a permissão de levar também para nossa casa um ou dois amigos. Éramos, portanto, uma verdadeira gangue, com idades em escadinha. Diversão garantida. Hoje eu tive um flash muito forte de uma de nossas aventuras. Não sei de onde saiu, mas ele veio, com uma clareza de dar saudade. Vizinha à nossa casa, no campo do lado, e bem longe (pra mim, que era pequena, beeeeem longe mesmo - não faço ideia de que distância), ficava a casa do nosso tio, já falecido, onde morava minha tia. Nas férias, os primos vinham da capital, Porto Alegre, e nos encontrávamos todos. Às vezes íamos de carro até lá, quando minha mãe nos levava pela estrada. Mas a aventura de verdade acontecia quando íamos a pé, sozinhos, atalhando pelo mato. Quase não dormíamos na noite anterior, preparando nossa grande aventura. Dos fundos da nossa casa, caminhávamos um campo grande (e limpo), numa descida muito íngrime que dava numa sanga (um córrego) no meio do mato fechado. Do outro lado, já na subida, tinha uma grande plantação, geralmente de milho, pela qual tínhamos que passar para chegar na casa da tal tia, a tia Adi. A grande adrenalina acontecia justo na passagem da sanga. Por causa do "perigo das cobras". Cresci ouvindo minha mãe falar o quanto eram perigosas. E eram. Na região tinham cobras realmente venenosas, com veneno letal e rápido para agir antes de chegarmos na cidade. Ou seja, não havia chance se fôssemos picados. Felizmente, fora algumas histórias bem pitorescas, nunca houve nenhum acidente. Mas sabíamos que elas estavam ali, à espera de um descuido nosso, principalmente no horário de sol quente quando, segundo nossa mãe, elas saíam para passear (belo artifício para que não fugíssemos da "hora da sesta"). Como eu ia dizendo, o ápice da ida à casa da tia pelo mato era atravessar a sanga. Alguns poucos metros de pura emoção porque justo ali havia a grande chance de "darmos de cara" com alguma cobra. Passávamos voando por aquele pedaço do caminho. Meu irmão com um pau na mão, todo machão, e nós, as meninas, aos gritinhos. Chegar ao outro lado não tinha preço. Ou melhor, tinha. Tinha até um gosto. Depois de mais alguns bons metros de plantação, eis que chegávamos à casa da tia e nosso heroísmo era recompensado com um delicioso pote de figada (doce de figo). Não existia figada igual àquela.
Lendo o blog da Bia Del Picchia e a Cris Balieiro (O feminino e o sagrado) e resgatando a jornada do herói de Campbell, me dou conta do quanto estas pequenas histórias marcam nossas vidas. E acabam moldando nossas personalidades. Crescemos e os tais caminhos para o pote de figada cresceram conosco. As cobras seguem por aí, agora travestidas de trânsito, projetos e até com nomes de gente, nas empresas, nas nossas relações. Algumas venenosas de verdade. Outras, nem veneno têm, mas seguem mexendo com nossa imaginação. Pois são elas, da cor que tiverem e do tamanho que forem, que nos ensinaram, e continuam a ensinar, que as nossas vidas não são só flores. As cobras, os nossos medos, estão ali só para sinalizar e para nos lembrar que somos nós os responsáveis pelas nossas vidas. Seres da natureza que são, estão, na maior parte das vezes, apenas assustadas. Dão o bote, picam, quando estão acuadas. Mais do que fugir delas, estejamos atentos às que aparecem nas nossas vidas. E agradeçamos. São elas que nos trazem mais adrenalina e um tempero de real à nossa existência. Como na jornada do herói de Campbell, são as batalhas que reenergizam nossas histórias e nos permitem recontá-las, depois, fortalecidos. E assim, de aventura em aventura, vamos vivendo e aprendendo. E nos tornamos seres mais completos. Há um plano B? Sempre há. Neste caso,  ficar em casa e não ultrapassar a sanga. Sem o risco das cobras. E também sem o gosto da aventura e a delícia da chegada. Todos os dias fizemos uma ou outra escolha.

* neste post do blog da Bia e da Cris, que eu citei, tem um videozinho lindo contando, de forma bem lúdica,  a jornada do Herói de Campbell. Vale a pena espiar :) 
http://www.ofemininoeosagrado.blogspot.com.br/2013/06/o-que-faz-um-heroi.html

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Quem nunca.

Dia destes eu assisti num filme um diálogo clássico da filha cobrando a mãe por ter ficado com seu pai apesar dele tê-la traído. Rancorosa, magoada, ela, a filha, comentou que a mãe não tinha o direito de ter feito de conta que nada aconteceu. Que não poderia ter ficado com ele e que se envergonhava por todos saberem da história, menos ela. Eis que a mãe, no auge de sua maturidade (e beleza), conta a ela que optou por ficar com o marido apesar do erro dele, mas acima de tudo porque optou por olhar para tudo de bom que eles tinham construído juntos ao longo de muitos anos. Longe de querer defender as traições e seus traidores (eu acho que são os que mais sofrem), acho muito difícil conseguirmos fazer este exercício. O de olhar o todo justo em situações extremas. Hoje tive uma conversa muito franca com algumas pessoas sobre erros e suas repercussões. Os erros são chatos, destroem nossas auto-estimas e tiram como um tampão toda uma credibilidade que construímos a conta-gotas. Mas, humanos que somos, erramos. Se não aconteceu, vai acontecer. Se já aconteceu, pode acontecer de novo. Ok, de preferência, que sejam erros novos. Repetir o mesmo erro é perder tempo. Na verdade, se fôssemos realmente perfeitos, desconfio que não teríamos motivos para estarmos aqui. Nas nossas pequenas imperfeições moram, às vezes, grandes belezas. A sarda do rosto que alguns tanto odeiam são, muitas vezes, o seu charme. O ponto não é não errar, mas saber o que fazer diante do erro, agindo como gente grande e enfrentando o bicho de frente. Tão fácil se queixar, colocar a culpa no outro, choramingar, fazer de conta que nada aconteceu, esconder-se embaixo da cama. Quantos de nós já não assistiu de camarote crises ocultas intocáveis que, tempos depois, viraram grandes e desastrosas tempestades? Mexer na ferida, conversar sobre o assunto e chegar na sua raiz são males (ou bens) necessários para a nossa evolução. Mas como fazer sem taxar, julgar, machucar ou bloquear? Que atire a primeira pedra quem nunca.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Não tá fácil!

Sabe quando você chega em um lugar que não conhece ninguém e precisa puxar um assunto para criar um link e uma conversa? Pois bem, geralmente acabamos falando sobre o tempo. “Tá frio.” “Nossa, quanta chuva!”. No elevador sempre acontece. Em São Paulo, vale falar do trânsito: “Peguei um engarrafamento sem fim para chegar aqui!” “Nossa, eu também!”. Mas se tiver um pouco mais de tempo e quiser um tema que não tem erro nunca, queixe-se da vida. Isto mesmo, resmungue, reclame e, em poucos segundos, terá encontrado eco no outro. “Não tá fácil” pode ser um bom começo. “Na luta”, “Estou destruído hoje” ou “Não aguento mais meu emprego” também são infalíveis. Parece que existe um imã nos seres humanos quando este tipo de assunto aparece. Uma comoção coletiva e uma sutil competição de quem é mais coitado na história. Se você não se queixar um pouco, meu amigo, sequer será respeitado. A última edição da Vida Simples falou sobre a grama verde do vizinho e sugeriu que as nossas também podem ser verdes. Eu entendo que não trata-se de enxergar o mundo cor de rosa, mas optar por aquilo que é bom e isolar o que não faz sentido para parar de sofrer. Ou até aprender com a desgraça que chega para nos alertar. Quem não conhece alguém que renasceu melhor depois de uma doença grave? Os tais reforços positivos fazem sentido pra mim. Eu acredito muito que quando estamos com uma nuvem negra sob nossas cabeças, a tempestade vem e, com ela, um monte de coisas desordenadas e estabanadas. Que quem tem muito medo de bicho papão acaba encontrando-o embaixo da cama. Ainda que todos nós tenhamos problemas, a opção de sermos vítimas ou protagonistas é nossa. De mais ninguém. Dentro daquela linha “tô meio cansada de gente assim”, ando meio revoltada com as choramingações alheias. Mas, sociável que sou, confesso que, pra não ficar chato, até dou uma grunidinha vez ou outra. Senão o papo nem começa. “Dia cinza este, não?”

terça-feira, 4 de junho de 2013

Guru de dentro.

Eu escrevi aqui no blog certa vez a história que um indiano me contou de que Deus se esconde dentro da gente e, por procurarmos por ele em toda parte, o tempo todo, esquecemos de buscar justo dentro de nós, onde ele vive, afinal. Somos nossos próprios deuses e, portanto, responsáveis por nossos céus e infernos. Tem a ver também com o tal figura do líder, tão polêmica dentro e fora das empresas. Estou cada dia mais cética com a busca de algumas pessoas por um "ente" especial que diria a elas o que fazer, quando fazer, como fazer. Uma criatura acima da média, "dona da verdade," capaz de, além de pensar no seu destino, determinar o dos outros também. Quantas vezes tentamos entregar nossas vidas nas mãos de alguém por falta de coragem de a tomarmos em nossas mãos? Lamento. Ninguém, que não nós mesmos, com nossas pequenas grandes escolhas, pode construir a nossa história. Somos nós que, conscientemente ou não, fizemos escolhas, erramos, acertamos e nos tornamos quem somos. Mais que líderes e mestres, quero estar perto de pessoas felizes e realizadas que, livres que são, fazem aquilo que sentem e vibram com suas escolhas. Por estarem assim tão leves, acabam inspirando, provocando e tirando de nós boas coisas que adormeciam nos nossos medos infantis. Elas não ditam, não mandam, não discursam. Tampouco se queixam. Não querem ser exemplo e não fazem o que fazem para agradar ninguém, que não a si mesmas. Erram e acertam porque estão vivas. E porque se permitem experimentar coisas diferente do padrão, são o que são, de dentro pra fora. E isto já é muito.

domingo, 2 de junho de 2013

Apenas cinco.

Ontem a tarde foi cinza e chuvosa. E meu marido aproveitou para colocar em dia aquela interminável lista de filmes que os amigos dos amigos indicam e nunca conseguimos ver. Nem o acompanhei. Aproveitei a paz do recinto para colocar minhas coisas em ordem. Mas, curiosa que sou, quis saber dos enredos. O último dele contava a história de uma menina que "fez América na capital", ou seja, deixou a casa dos pais bem cedo e foi embora começar uma nova vida na cidade grande. Lá se descobriu, construiu uma carreira, uma vida. Casou, conquistou muita coisa bacana e, num belo dia, sofreu um acidente e perdeu a memória. O fim da meada da história é justamente a tentativa de resgate dela por ela mesma. Voltou para a cidade de origem, reencontrou pessoas e, aos poucos, foi remontado as peças do quebra-cabeças da própria vida. Não sei como terminou o filme, nem se ela recuperou a memória e foi feliz para sempre. Mas fiquei brincando de exercitar o "e se" e pensei o que eu faria se algo assim acontecesse comigo. Claro, não teria a consciência de buscar um caminho lógico assim mas, tateando, chegaria a algumas pessoas que resgatariam fatos que, enfim, me contariam um pouco de quem eu me tornei até o presente momento. O exercício seguiu e cheguei a um pequeno desafio pessoal. E se eu fosse escolher cinco pessoas, somente cinco, que pudessem, com muito cuidado e propriedade, reapresentar a Andréa a ela mesma, quem seriam elas?  Resgataria algum amigo de infância que me contaria causos da Andréa estudante? Alguém da faculdade, certamente, minha irmã, provavelmente. Quem mais? Como numa edição de um filme, a escolha das cenas faz toda a diferença no resultado final. Algumas falas diriam muito de um alguém que fui e ficou pra trás. Outras, ainda que atuais, jamais trariam pedaços ocultos que só os bem íntimos puderam viver comigo. Cada conjunto de cinco, dependendo da configuração que eu montasse, traria faces minhas muito próprias, todas elas diferentes entre si. E ainda assim, todas muito minhas. Assim é o filme da vida. Feito de pedaços de quem pensamos que somos e de outros tantos que as pessoas nos ajudam a ser, em suas falas, percepções, em suas lentes que também moldam. Fica o convite. E se você fosse escolher cinco, apenas cinco, quem seriam?

* By the way, pra quem quiser saber o fim "desta história", o nome do filme é The Wov :)


Membrana permeável.

Tenho conversado muito sobre esta história de "construir histórias", e não, simplesmente contá-las. Vale para uma empresa, que constrói sua marca, sua bagagem, seu DNA a partir das inúmeras interações que tem com todos os seus públicos. Não existe a ilusão do controle, de que se faz algo e sai por aí divulgando, como se as pessoas fossem aceitar sem questionar. Vale para as nossas identidades pessoais.
Somos o que somos pelas interações que vivemos, pelas pessoas com quem convivemos, pelos lugares onde estivemos, e assim vai. Mas para que esta construção seja realmente rica e plena em possibilidades, é preciso um exercício de desapego, de libertar-se de algumas amarras, de conceitos pré-concebidos para, então, deixar-se permear por outras influências, culturas, olhares, vivências. Conheço muita gente que roda o mundo e volta praticamente igual. Viaja numa grande bolha, não interage, não vive, não caminha, não experimenta. Vai e volta simplesmente. Casais que se fecham para o mundo, que não têm mais amigos e seguem juntos por absoluta falta de opção. Pena. Tão mais forte olhar lá fora e ainda assim voltar todo dia renovado e seguro de que aquela coisa toda, sim, faz sentido.
Não é preciso ir longe para provocar estas pequenas grandes mudanças. Saber escutar sem contra-argumentar é um primeiro passo bem bacana. Toda vez que eu faço um curso acabo me fundido não só com os conteúdos, mas com as histórias das pessoas. E assim, num verdadeiro efeito borboleta*, conheço gente que me apresenta outras e outras criaturas e que, aos poucos, mexem muito comigo.
Às vezes a vida nos obriga a testar a tal permeabilidade bem cedo. Quem mudou de cidade pra fazer faculdade sabe bem do que estou falando. Minha vinda para São Paulo foi também um pouco assim. Sem esta consciência toda da permeabilidade, entre optar por me queixar ou interagir, fui em busca da segunda opção. Fiz grandes amigos, conheci a cidade. Vivenciei como poucos e, depois de espernear um pouco (ok, um monte), deixei a grande capital se fundir com a minha alma. Aí a coisa fluiu. E não tive que esquecer quem sou, em essência, para fazer o movimento. Pelo contrário. Para que saibamos quem somos de fato, precisamos do contraste do outro como espelho. A beleza de ser está justo em relembrar nossos valores essenciais. Nos reafirmamos todos dia pelo núcleo que temos (da família, dos amigos etc) e pela dança maravilhosa de possibilidades que nossa membrana permeável nos oferece, tornando-nos seres mais leves, completos e, felizmente, mutantes.

* Efeito borboleta: pra quem não conhece e assim, muito simplificadamente, tem a ver com a teoria do Caos e com uma grande mudança desencadeada por um pequeno fenômeno. O bater de asas de uma borboleta pode, segundo a teoria, provocar fenômenos meteorológicos enormes do outro lado do planeta. Tem um filme com este nome (Efeito Borboleta), que fala sobre sobre o tal efeito. Na trama, o jovem, com capacididade sobrenatural, volta ao passado, faz pequenas mudanças, e reescreve sua história várias vezes. 

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Desconecte-se.

Lendo a última revista de bordo da Tam encontrei a reportagem de um artista que cria todo sua arte durante caminhadas. Caminhando, ele faz "grandes viagens", mesmo que sejam ali, na vizinhança. O que ele propõe é um novo olhar sobre aquilo que já conhecemos, com sentidos mais apurados e, desconectados. Segundo ele, "as pessoas estão constantemente em contato com o mundo e prontas para reportar tudo. Tiram fotos para olhar quando voltam para casa ou enviar aos amigos. O jeito que vivemos quebra os momentos." Há 11 anos fizemos um cartão multimídia para os clientes onde, justamente, falávamos que os grandes momentos da vida acontecem assim, num flash. Não dá tempo de ajeitar o cabelo nem de preparar o click. Eles simplesmente vêm e vão, instantaneamente. E ficam guardados na retina. Estou um pouco cansada do excesso de compartilhamento de momentos nas redes sociais. Adoro acompanhar a vida dos queridos, ver fotos de viagens, mas sinto que, muitas vezes, as pessoas não sabem mais como vivenciar experiências sem um iphone por perto. Aí eu recomeço aquele meu exercício "e se" e penso: e se a luz elétrica terminasse? Sem internet, sem tomadas para recarregarmos os celulares, em poucas horas tudo mudaria e, sim, acabaríamos nos reconectando com nós mesmos. Já pensou viajar de novo sem internet, resgatando velhos mapas, fazendo anotações em papel, sem que as pessoas pudessem nos ligar a qualquer hora? E sem culpa por não atendermos assim, on line. Conheço gente que tem tentado. Pessoas que optaram por não acessarem e-mail nos finais de semana e que, por isto, estão sendo massacradas. Parece que o Doutor Google está incorporado na nossa mente, como se não conseguíssemos mais pesquisar nada sem a ajuda dele. É automático, quase uma extensão dos nossos próprios dedos. Os exercícios que o artista propõe (o da revista da Tam) são bem simples. Têm a ver com inventar, percorrer percursos interessantes, improvisar. Com reconhecer o próprio bairro, sair com uns trocados no bolso, propondo-se a passar um dia todo a pé, leve e sem tecnologia. Grandes viagens ao nosso próprio mundo, com olhares curiosos, despidos de próteses artificiais. Quem de nós conseguiria passar um dia inteirinho assim?

Quer saber mais sobre o tal artista? O nome dele é Hamish Fulton, um "walking artist". 
www.hamish-fulton.com

quinta-feira, 30 de maio de 2013

As nossas crianças internas.

Fico cada vez mais impressionada com o poder de transformação das crianças. Dia destes minha filha foi para o escritório comigo e a senhora que ajuda a cuidá-la saiu para dar uma volta no corredor. Carolina, claro, conversou, deu gritinhos, interagiu com cada cantinho do ambiente. Eis que saiu de uma das portas um senhor sisudo, carrancudo, a própria imagem daqueles tios malvados das histórias de terror. Claro, estava incomodado com a intensidade do bebê que, em momento algum, chorou ou fez altos barulhos. Como ela reagiu àquela carranca toda? Deu um sorriso do tamanho do mundo para ele que, claro, se desmanchou. Sorriu de volta e até esboçou um pequeno aceno "fofinho". Saiu assim, leve, elevador abaixo, transtornado e, sim, transformado. Tenho a sensação de que crescemos em corpo, mas nossas crianças internas seguem ali dentro, latentes, doidas para se expressar. Os meninos e seus carros, os esportes radicais, o contato com animais, tudo isto ajuda a extravasar e nos reconecta com nossos serzinhos essenciais. Vejo isto quando organizo workshops. Empresários, engenheirões, homens de negócios viram crianças diante de folhas em branco, giz de cera, revistas para recortar, cola, espaço livre para desenhar. Nos aniversários infantis, aqueles cheios de lugares lúdicos, tirolesa, túneis, não raro pego os pais confessando a vontade doida de tirar o sapato e entrar nos brinquedos. Sufocamos nossas crianças internas e esquecemos que justo elas são a base da nossa criatividade e leveza. Praticar pequenas travessuras não só é saudável, como necessário. Com a Carolina, voltei a cantar, a dançar bem soltinha, a ler e contar histórias de um jeito exagerado e engraçado. Me pego botando a mão na comida, experimentando, me experimentando. Este feriado tão cinza tem tudo para ser uma grande folha em branco para que nossas crianças cresçam e apareçam dentro de nós. Se eu fosse você, tiraria o sapato e daria um alô pra sua.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Fora da caixa.

Hoje eu desenhava com a minha equipe um evento para um cliente onde buscamos criar um ambiente bem solto para que designers "saiam da caixa". Não é pra ser nada fechado, corporativo, mas também não é um café solto e sem propósito. Começamos a esboçar como seria a condução do encontro e, em cada ensaio, lá estávamos nós caindo dentro da caixa de novo, tentando explicar demais e sentir de menos. Dia destes eu conversava com um cliente / amigo sobre nossa mania de compartimentarmos a vida. Como se fôssemos pedaços independentes que não conversam, dividimos nossos dias e nossas cabeças em partes. "Agora vou acionar o meu pedaço profissional". "Aqui termina minha jornada no trabalho e passo a ser mãe". "Desta vez, estou sendo a amiga do Fulano e, portanto, devo esquecer que ele é meu cliente". Eu sempre tentei exercitar o outro lado da história e, propositalmente, provocar as pessoas a se libertarem destes frames todos. Eis que, numa conversa bem franca hoje, percebi o quanto eu "tenho encaixotado" a minha vida. Por ser uma hábil malabarista, eu consigo migrar de uma "caixa" para outra, assim, num toque. Mas misturar as peças de uma caixa dentro da outra ou, melhor, tirar tudo dali de dentro e soltar no ar, ainda não tornou-se uma tarefa tão simples. Mais que isto, esquecer as caixas, até porque elas são fruto das nossas mentes lineares desenhadas para um mundo que não é real. Tenho bons ensaios acontecendo e, sim, me orgulho de cada um deles. Quando, por exemplo, eu apresento um ex-presidente de empresas para um jovem inquieto empreendedor de 20 anos ou quando eu provoco encontros de pessoas que "aparentemente não combinam" e sinto que dá um bom caldo, gosto muito. Mas sei que ainda tem muito pra ser construído - digo, desconstruído - e que o primeiro passo pode ser eu parar de inserir as pessoas num esteriótipo assim que eu as conheço. O João pode ser, sim, um ótimo intelectual. Mas tem tudo para tornar-se um bom cozinheiro e, quem sabe, surpreender a si mesmo pintando quadros. Serve para mim, que adoro me desafiar. Fazer mais daquilo que eu faço bem é fácil. E o que eu nunca experimentei, que jeito tem?

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Janelas quebradas.

Eu tenho uma mania meio estranha de organizar o espaço imediatamente ao entrar em um banheiro público. Em aeroportos isto me dá ainda mais aflição. Parece que eu nunca entrei em algum que estivesse realmente "zerado". O mesmo acontece em restaurantes, botecos, museus. Na verdade, criei quase que uma teoria. Quanto mais "metido" o lugar, maior a tendência de o público "chutar o balde" e simplesmente não ter o menor cuidado com o espaço compartilhado. Tem a ver com as pessoas revelarem seu verdadeiro âmago em situações-limite. Vale no trânsito, quando aquela moça simpática e sorridente desce do salto, ou numa partida de futebol, quando o vizinho recatado do 63 grita na janela frases obscenas.  Num seminário que participei há um ano e pouco com grande pensador (público "cabeça" e super preocupado com o planeta, espaço de uma galeria de arte, zona nobre de São Paulo), o banheiro feminino estava um horror. Durante todo o curso. Por mais que as tias limpassem de tempos em tempos, as colegas, que minutos antes interagiam de forma amorosa, sequer davam-se ao trabalho de colocar o papel higiênico dentro do lixinho prateado. Vai ver que é justo porque sabem que "a tia" ia entrar e resolver tudo logo a seguir. Depois falam que os banheiros dos meninos é que são sujos. Não consigo sequer raciocinar quando eu entro e vejo  aquele monte de papel no chão, pia molhada. Me baixa imediatamente a Maria e saio ajeitando tudo. Em 30 segundos, dá pra dar uma boa geral e, assim, olhando de novo, respirar e ir realmente ao que interessa. O contexto é tudo, principalmente quando você está fora de casa. Tem a ver com cuidado, com uma busca de aconchego, de minimamente encontrar fora aspectos gostosos que buscamos e, espero, encontramos nas nossas casas. Custa um restaurante dito familiar colocar um trocador de bebê na parede do banheiro?
Há alguns anos, começou uma onde de preparar com muito cuidado os banheiros femininos durante festas, em casamento, geralmente. Mais que sabonete, pequenos cestos estrategicamente colocados passaram a abrigar fio dental, creminho, remédio pra dor de cabeça, lixa de unha, linha e agulha, lencinhos. Tudo tão simples e acolhedor! Aos poucos, alguns lugares incorporaram a ideia e a ampliaram, dando ao banheiro, até então coadjuvante, ares de protagonismo. Mesmo quem não precisa ir, acaba, seduzido pelos comentários alheios, dando uma voltinha para conferir a parede inusitada, o cheirinho, o jeito divertido que uma bicicleta tornou-se base para a pia. Nunca a teoria das janelas quebradas fez tanto sentido pra mim. O exagerar para entender usado na década de 90 em Nova York, pelo então prefeito Giuliani, e a repercussão positiva que teve, me faz ter ainda mais segurança de que são nos detalhes que moram as grandes mudanças. Quem não cuida do pequeno nunca terá energia para construir o grande.

domingo, 26 de maio de 2013

Assim, vazio.

Como boa representante do sexo feminino, tenho a incrível capacidade de fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Escrevo caminhando, durmo pensando, dirijo planejando, faço mentalmente a lista do supermercado enquanto sigo firme em alguma posição bem cabeluda no yoga. Hoje encontrei uma amiga ainda mais hábil que eu nesta arte. Meus malabarismos ficaram com vergonha diante de tamanha competência. Executiva de mão cheia, organizou todos os mínimos detalhes da festa do filho de 3 anos. E ainda compareceu ao evento linda, magra e maquiada, cumprimentando a todos pelo nome, fazendo social nas mesas. Um fenômeno. Os homens não teriam tamanha desenvoltura. Mal conseguem digitar no computador e darem uma resposta - monosilábica que seja - a alguma inquietação que nós, mulheres, sempre temos nos horários bem criativos. Tendo a achar que eles são mais felizes. No mínimo, mais eficientes.
A minha síndrome de Mulher Maravilha ficou pra trás faz tempo. Deu lugar a uma Deinha bem mais escabelada e sem controle. No amor - ou na dor, fui abrindo mão e me abrindo para novas possibilidades, muitas vezes mais interessantes do que as que eu teria desenhado antes. Vale pra equipe, pra família, com a minha filha. Sabe que faz sentido? Fazer um milhão de coisas é o nosso "fácil". O desafio é não fazer, não mexer, não pensar, não desenhar e deixar, vez ou outra, o fluxo fluir. Esvaziar o copo, enfim. Não consigo fazer muito disto com meditação. Minha mente grita enquanto "medito". Mas fazer massagem ajuda. Arrumar o guarda-roupa também. A grande questão é dedicar algum tempo exclusivo para si. Para o nada, de preferência. Como o meu, agora. Como uma criança no meio de uma grande arte, estou sozinha em outra cidade, curtindo a travessura de dormir comigo mesma. Sem marido para eu chutar e puxar as cobertas e sem o bebê para me despertar (eu, no automático, com o peito a postos para dar de mamar)  terei logo mais à noite um feliz reencontro com a Andréa. Tava com saudades desta mocinha sorridente no espelho. Que nossos copos amanheçam mais vazios e renovados amanhã cedo. Boa noite :)

sábado, 25 de maio de 2013

Tramas da vida.

Quando eu era pequena, no interior do RS, aprendi uma série de atividades manuais. Sabia fazer tricô, crochê e cheguei a bordar toalhas em ponto cruz para um ensaio de casamento que não aconteceu quando eu tinha 20 e poucos anos. Fui criada bem "prendada", como se diz, com atividades ao ar livre e trabalhos manuais demais e televisão de menos. Parece ironia do destino, mas somente agora, morando em São Paulo, na correria da cidade grande, estou reencontrando as minhas raízes. Eu nunca tive a habilidade da minha irmã pra fazer tricô. Ela desenhava num papel um plano com o esboço das cores e formas que trabalharia a seguir e, assim, como por passe de mágica, as figuras iam se formando daquelas linhas tão soltas. O meu ponto sempre foi mais livre, mas ainda assim tinha um quê de terapia. Enquanto eu tricotava, pensava na vida. Os meus últimos meses têm sido realmente inspiradores, na medida em que vou tecendo ligações inesperadas com pessoas. Dou linha para as conexões, confio no meu sexto sentido e vou formando uma trama cheia de surpresas. E assim, tricotando, vou abrindo novas possibilidades para mim mesma. Uma delas vai acontecer muito em breve, agora em junho. Criei coragem e, inspirada nesta redescoberta das artes manuais, vou fazer uma oficina para amigos onde vou mesclar textos e tricô. Ninguém sabe direito do que se trata, mas o chamado já fez sentido para algumas amigas, que só de ouvirem falar no tema já se animaram e se prontificaram como participantes. Por acaso vai ser tricô. Poderia ser pintura, corte e costura, cozinha. O meio não importa. O que vale é a intenção. Ao resgatarmos o toque, ao religarmos a sensibilidade das nossas mãos em alguma atividade assim, lúdica, estamos nos reconectando com as nossas próprias essências, como crianças adormecidas que somos. Comer com as mãos, pintar com as mãos, sentir com as mãos - tudo isto faz bem. Pena que nos tiraram este pedaço. Bora resgatar?

quinta-feira, 23 de maio de 2013

ACV de mim.


“Diga-me com quem andas que eu te direi quem és.” A máxima que fez parte da minha infância faz bastante sentido na medida em que somos um pedaço dos muitos com os quais convivemos. As pessoas do passado, aquelas com quem eu interajo hoje e as que eu ainda vou conhecer têm muita responsabilidade sobre o “produto” que eu me torno a cada dia, enquanto ente mutante que sou. A “análise de ciclo de vida de produto - ACV”, tão usada nas indústrias nos dias de hoje, traz um pouco este propósito. Sugere que, num recorte do momento, como num exame de sangue, tenhamos detalhados todos os componentes que formam um produto, rastreando, da origem ao seu fim, processos, impactos etc. Com esta análise em mãos, as empresas têm a rara oportunidade de olhar para os dados e definir como aprimorar aquele recorte para, numa segunda oportunidade, construírem produtos e processos melhores, menos impactantes, mais interessantes, rentáveis, bonitos, enfim. Vale pra vida. Um exercício curioso, que pode ser colocado no papel. Lembrar dos meus amigos de infância, dos lugares onde eu estive, dos hábitos que eu cultivei, dos livros que li, do que eu comi, dos esportes que eu pratiquei, das músicas que me embalaram e, claro, do DNA que a minha família me emprestou, tudo isto, somado, me dá, hoje, um retrato da Andréa. Mas eu posso mudar muito disto. Tenho duas pernas para me mover, palavras para me expressar e vontade de promover mudanças, componentes de sobra para um grande laboratório de mim mesma. O retrato que terei em mãos daqui a algum tempo terá, claro, algumas pitadas de destino e do inesperado. Mas muito, muito mesmo, pode ser desenhado de um jeito diferente desde já. Tem a ver com fazer escolhas, com dizer não – e também com dizer sim, com se abrir para o novo, o diferente, com experimentar, experenciar, conhecer gente, se entregar. A essência, aquela que formamos nos primeiros anos, estará lá, intacta, brilhante. E, junto dela, novos “subprodutos” podem nos surpreender. Os pedaços soltos que formam a nossa história estão inteirinhos nas nossas mãos, prontos para serem lapidados e colados, num grande e curioso mosaico que é a nossa existência.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

E se?

Dizem por aí que sou uma boa estrategista. Isto porque, antes de eu vivenciar uma situação, eu imagino tudo o que é possível de acontecer ligado a ela, nos seus extremos mais criativos para, no caso de alguma realmente acontecer, eu estar preparada. Tem a ver com as polaridades que se usam no Design Estratégico - e em outras tantas áreas, ou seja, imaginar situações extremas para tirar, dali, possibilidades de inovação e construção de coisas realmente novas. Na maior parte das vezes, nunca a situação extrema que acontece. Chega a ser divertido. Quando minha filha estava para nascer, pensei tanto em tudo o que poderia acontecer, desde o percurso até o hospital, as pessoas que poderiam me levar, caso o meu marido não pudesse. E se o carro estragasse. E se tivesse um trânsito terrível. E se não desse tempo... Claro que deu tempo. Carolina ainda escolheu a tranquilidade da cidade vazia num feriado para anunciar sua chegada. Menina esperta.

Mesmo que às vezes apresente algumas camadas de sofrimento, este tipo de exercício realmente aguça a imaginação e pode, ainda que trabalhando com hipóteses, apresentar possibilidades não antes imaginadas para as nossas vidas.

No fim do ano passado falou-se muito no tal fim do mundo. Mil teorias e a imaginação das pessoas a milhão, pensando em como seria, como fariam, como enfrentar tudo isto. No meio da história, surgiram figuras pitorescas que trouxeram pimentas sutis e provocaram, assim, como quem não quer nada, alguns destes exercícios de extremo. Um deles comentou, em conversas, a possibilidade dos bancos sumirem. Tudo poderia começar com um grande bug na internet. Sem conexão, não teríamos acesso aos bancos e, sem termos acesso a eles, não teríamos como provar quanto tínhamos aplicado (ou quanto devíamos – esta é a versão positiva da brincadeira). Sem os bancos e, dali a pouco, sem dinheiro vivo nas mãos, tudo seria diferente. Muito rápido, bem dinâmico. Imaginemos, então, somente para fins de exercícios, que isto realmente possa acontecer. O que você faria?

Tem um vídeo rolando na internet há tempos de um professor que estimula os alunos a pensarem em suas verdadeiras vocações isolando a variável dinheiro da história. Digamos que o dinheiro não importasse, que suas contas estivessem pagas, o que você faria assim, genuinamente?
Eu fico imaginando a cena. Meio inspirada no filme “Ensaio sobre a cegueira”. Os homens, no seu limite, nada de dinheiro circulando e, aos poucos, as pessoas se rearticulando, como numa grande volta ao tempo das cavernas. Só que em cavernas de concreto, nas nossas cidades. Sem dinheiro para comprar nada, não teríamos tampouco gasolina para os carros e teríamos que, em pouco tempo, nos reorganizarmos em grupos, que somos, para cada um entregar o que tem de melhor. O estatístico, este cuidaria de calcular as provisões e de como utilizá-las. O articulador trataria de sair conversando com os vizinhos, em busca de permutas. E assim, sem televisão, sem internet e, justo por isto, com tempo de sobra, relembraríamos quem somos. Alguém puxaria uma roda de violão, contadores de histórias brotariam cheios de verbos e, certamente, as crianças dariam uma aula de colaboração. O exercício vale para as empresas. E se as contas estivessem pagas? Se os fornecedores que escolhêssemos nos entregassem a matéria-prima que quiséssemos, sem que tivéssemos que pagar. Se os clientes não se importassem com o preço e pudéssemos escolher, de fato, para quem gostaríamos de produzir um produto. Ou oferecer um serviço. Seriam os mesmos? Como ficaria a nossa energia da escolha, da entrega, do processo todo? Iríamos trabalhar? Ou nada mais faria sentido?
Eu não acho algo deste tipo vá acontecer. Pelo menos não, assim. Não amanhã. Mas me divirto de verdade observando meus amigos, os vizinhos, os atores corporativos, os rostos desconhecidos no supermercado e imaginando quais seriam seus novos papeis dentro de jogos divertidos de desconstrução.
E se?


* segue o link do tal vídeo que comentei, usado por um professor com seus alunos: http://www.youtube.com./watch?v=qmaq15qL7Q8

terça-feira, 21 de maio de 2013

Laços fracos.

Esta história também veio do papo da semana passada, por acaso também com o Oswaldo, um amigo querido, citado dois post atrás. Aprendi mais um conceito, que fez todo sentido pra mim. Falávamos sobre inovação e do quanto é difícil fazer algo realmente novo. Eis que surgiu o papo sobre "laços fortes" e "laços fortes". Eu explico. Segundo consta, os laços fortes são aqueles já estabelecidos com as pessoas que fazem parte da nossa vida. Entram aí família, amigos mais chegados, as pessoas do nosso trabalho, algum vizinho, enfim, aquelas criaturas com as quais estamos acostumadas a nos relacionar e, justo por isto, faz bastante sentido que tiremos "mais do mesmo" em cada interação. Nada de errado nisto. Pelo contrário, são nossos portos seguros. E, quando conseguimos algo diferente delas, puxa, melhor ainda. E os laços fracos são aqueles que estabelecemos com pessoas que aparecem nas nossas vidas meio por acaso, numa situação inesperada. Muitas delas, surgem uma vez e somem, deixando um pedaço de si com a gente. Sabe quando você fez aquela viagem a outro país e conheceu num bar alguém com quem conversou sobre a vida e que provocou você a pensar sobre algo de um jeito que você nunca tinha imaginado? Ou aquela criatura que te falou sobre um livro, livro este que, tempos depois, fez você começar um novo projeto? Pois, segundo o nosso papo, são os laços fracos que nos ajudam a inovar. Como não temos grandes compromissos e também não estabelecemos uma rotina com eles, acabamos sendo tocados de jeitos inusitados por estas relações que, muitas vezes, são o pulo do gato das nossas histórias pessoais. Hoje em dia, com as redes sociais, os laços fracos ganham até um quê de laços mais fortalecidos, na medida em que temos a oportunidade de "espiar" o que estas pessoas têm feito, o que pensam, como enxergam o mundo, sem que necessariamente continuemos a conviver com elas. Dito isto e pressupondo que faz sentido, abrir a cabeça e a agenda para conhecer gente nova faz ainda mais sentido. Muito, aliás. Nas nossas vidas profissionais, quantas vezes nos quebrando buscando uma solução nova e convidamos para a "conversa" as mesmas pessoas de sempre? E quando temos um problema pessoal e, do nada, numa roda informal, algum amigo do amigo aponta um novo olhar sobre o tema daqueles que muda tudo assim, meio instantâneo? Sim, fortalecer os laços com os nossos faz muito sentido. Traz conforto, nos ajuda a lembrarmos quem somos e a que viemos. Mas deixar o inesperado atuar vez ou outra, julgando menos e absorvendo mais, tem tudo pra ser também bacana.

* By the way, algumas vezes os laços fracos viram fortes. Em alguns dos casos, bem fortes. Dou o maior apoio. Eu mesma conheci um com uma proposta tão inovadora que acabei casando :)

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Aquelas vozes internas.


Semana passada eu conheci uma menina com nome de flor. Falamos sobre a vida, sobre as nossas inquietudes e sobre nossas vontades de voltarmos a exercitar lados que ficaram adormecidos. Eu super me empolguei quando ela comentou que participou de algumas dinâmicas de conversas com tricô na roda. Enquanto se tricota (e aí desvia-se o cérebro, abrindo um lado criativo e despretencioso), flui a conversa e surgem conceitos e novas ideias. Pode ser tricô, origami, desenho, pintura de mandalas. Cada um usa um jeito. Todos válidos e igualmente lúdicos. Daí surgiu uma fala dela da vontade de voltar a escrever. Segundo ela, o dom da escrita era algo bem apurado na infância, até que um dia ela mostrou um texto para a avó que, muito rígida, disse que estava péssimo. O que aconteceu? Hoje, 20 anos depois, sua auto-crítica ainda não permitiu que tenha voltado a escrever. Aquela voz interna da avó somada ao olhar de repressão simplesmente castrou naquela menina, agora mulher, toda e qualquer coragem de colocar no papel suas experiências. Quantas vezes não fizemos isto com nossos filhos, amigos, com nossa equipe? Eu mesma, com meu jeito brincalhão de falar, já disse para a filha de uma amiga que o desenho dela estava "feio". Claro, ela não entendeu como ironia e não achou nada divertido. Um desastre! Então tá, como não matar as nossas crianças internas e, ainda assim, trabalharmos em cada uma delas seu senso crítico, em busca de uma qualidade genuína, que sempre pode ser melhorada? Uma pista: tem a ver com o jeito de falar, desconfio. E, claro, com o queridíssimo paradigma do cuidado, do Bernardo Toro. Cuidar não custa nada. E vale muito. Assim, fantasmas com potencial de nos atormentarem por toda a vida podem virar amigos imaginários nos ajudando a exercitar o que temos de melhor, livres e entregues às nossas verdadeiras vocações. Quem topa começar?

domingo, 19 de maio de 2013

Foi num 28 de setembro.


Era um dia bem ensolarado, daqueles típicos de começo de primavera. Friozinho. Numa casa neo até no nome, recém inaugurada, 44 corajosos reuniram-se, baseados simplesmente na confiança e na intuição. Eu, barriguda que só de uma Carolina que chegou pouco mais de um mês depois, fui uma das provocadoras / anfitriãs, curiosa deste encontro que, para mim, foi só a faísca de muitos outros que virão. Já estão vindo! Ninguém sabia o que era, por que era nem quem estaria lá. Mas todos confiaram e foram. Alguns meses se passaram e o que conversamos num grande círculo no dia 28 de setembro de 2012 nunca esteve tão atual. Somos, afinal, seres inquietos, “almas inquietas”, como nos chamamos depois. Este encontro aconteceu de fato. E continua retumbando na minha cabeça. Não acho justo não divulgar o que falamos por lá porque, de uma forma ou outra, cada um de nós foi um pouco espelho do momento que vivemos hoje na tal Humanidade. Aqui vai o relato que fiz uns dias depois. Assim, meio solto, meio de sopetão, ainda engasgado e sendo digerido. Cada frase daria um post e uma semana de reflexão. Sigo desaprendendo com tudo o que aprendemos por lá.

By the way, o que inquieta as nossas almas?
No último dia 28 pudemos falar sobre isto num grande círculo aberto de sentimentos e percepções. Éramos 44, mas representávamos bem mais que este número, até porque nós mesmos estávamos lá carregando diferentes papeis e personagens. De gestores e profissionais, felizmente, levamos poucos e conseguimos deixar relativamente do lado de fora as preocupações corporativas para levarmos um tanto de nossas outras personalidades. E era uma sexta-feira de fechamento de mês e trimestre! Ninguém chegou lá com seus cargos ou sobrenomes. Éramos nós mesmos, em primeiro nome, todos inquietos, curiosos e corajosos para nos entregarmos a algo que nenhum sabia o que seria.
Aos poucos, o círculo fluiu e os pontos de conexão começaram a se estabelecer, num discurso individual que tinha muito de coletivo. Cada fala poderia ser minha. Na verdade, era um pouco de cada um retratado na boca do outro. Ufa. O convite tinha sentido e as pessoas, tão diferentes, estavam ali todas muito iguais.
Levamos objetos e fotos que nos representam e despimos nossas almas para mentes desconhecidas.

Falamos de nossos medos, desejos, sonhos, inquietudes. Das redes digitais X livros físicos, dos nossos filhos, nossos hobbies, do que fazemos para aquietar nossas cabeças. Contamos que largamos nossos empregos para buscar sonhos, que sentimos falta de um propósito, que nos sentimos incompletos e que queremos exercer nos nossos dia a dia quem nós somos de fato. Descobrimos, juntos, que não fazemos nada sozinhos, que unir pontas e juntar coisas faz cada vez mais sentido. Queremos desaprender juntos e nos alfabetizar novamente. Desta vez, alfabetizar os nossos emocionais.

Respondemos ao chamado, à palavra “venha” e, quando vimos, estávamos ali, entregues, nos enxergando como seres desta casa-planeta tão ampla. Somos parte deste todo. Compartilhamos a necessidade de enxergarmos além do que vimos, a importância de usarmos novos olhares para abrirmos nossos campos de visão. E que talvez nossos filhos sejam grandes pontes para nos ajudarem nesta amplitude visual. Sempre vai ter um espaço que não compartilhamos. É neste gap que entra a confiança para enxergar o que eu não estou vendo.

Chegamos por causa de uma sequência de eventos, que começaram no dia em que nascemos. Somos o que construímos. Vimos, independente das idades e das tais “questões geracionais”, pessoas lidando com um novo social. Não precisamos de organizações hierárquicas para nos relacionarmos. Este tal “livre arbítrio” nos inquieta. Afinal, o que cada um vai colocar nesta malha abundante para deixá-la fluir?

Trouxemos histórias em comum de pessoas empreendedoras e corajosas. Muitos de nós trouxemos histórias de família de também empreendedores que nos inspiraram. Éramos muitos engenheiros, todos abertos a reengenharias de vida, sobretudo, engenheiros de gente, questionando coisas da vida, modelos de produção em consumo, com a certeza de que uma mudança é possível. A mudança ainda não aconteceu porque as pessoas não querem. Falta a transformação pessoal.

Enxergamos nos nossos filhos suas capacidades de viverem o agora, de não terem limites nem medos. Por que nós não nos permitimos viver o agora? Temos que esperar as aposentadorias para nos prepararmos para usufruirmos de uma “tal liberdade”?

Esta coisa de nação, local, regionalismos, isto tudo já era. Foi. Não estamos falando de reforma, mas de uma grande revolução. Precisamos de gente jovem disposta realmente a mudar, tenha ela 15, 40 ou 70 anos. Juventude de sangue e coragem para mexer. Nós ainda não acreditamos uns nos outros, não nos entregamos, “vamos dar com a cara no poste e continuamos andando a passos firmes”. Digamos não aos esteriótipos, não adianta mais discutirmos a superfície! Temos que ir no âmago.

E aí vem a pergunta: qual é o legado disto tudo que eu estou fazendo? Como apresentar projetos que não sabemos como fazer e como encontrar pessoas que topem saber que não sabemos? Não sabemos o que fazer mas estamos dispostos a fazer. E este tal processo colaborativo pode ser bacana. Com que pessoas, afinal, eu quero trabalhar? Com quem quero customizar a minha “vaca em branco”? Tem a ver com educação, reeducação, “deseducação”. Precisamos procurar as pessoas certas para dar sentido a tudo isto. Precisamos sair do efeito “manada” e deixarmos de ser mais uma vaca no rebanho. Estamos abrindo mão de sermos humanos!

Como, então, modificar esta realidade? Como nos comunicarmos / interagirmos diferentes dos animais? Onde fica nosso poder de indivíduo na sociedade? Estamos realmente buscando romper para sairmos do rebanho, buscando outras questões? Como construirmos uma linguagem comum às nossas inquietações? Como sermos elásticos para mudar, sem perdermos nossa capacidade de amarrar as coisas de vez em quando?

Já percebemos o poder das comunidades. Pequenas cidades podem fazer milagres. Precisamos tomar o poder de volta e agir, fazermos uma viagem ao interior para encontrarmos mais sentidos para nossas vidas. O que queremos é tão simples quanto amar e sermos amados, sermos reconhecidos. Por que, então, é tão difícil? Buscamos a auto-suficiência, queremos criar nossos mundos, com energias renováveis e renovadas. O alimento nos ajuda, as histórias de vida de nossos avós, a consciência do local dentro do global, a comida que também alimenta a alma. Queremos criar cidadania, dignidade, curiosidade, propósito, com pessoas jovens de espírito ou com espírito jovem. Queremos transformar, queremos encontros de troca e experiências, queremos viajar para um mundo melhor, inovar, renovar.

Somos um pouco físicos, curiosos, vivemos num mundo de incertezas, da interdisciplina, da rede. Não temos que salvar o planeta. Temos é que nos salvar enquanto pessoas que somos. Fazemos as mesmas coisas há tempos e esquecemos de renovar as nossas energias pessoais. Onde isto vai parar? Fazemos força demais para as coisas erradas. Não basta sermos esforçados. Temos que direcionar esta força toda para o lado certo. Preciso de um outro sistema onde eu me apoio, de pessoas que queiram transformar o mundo tocando no mundo atual.

Temos muitas coisas importantes ainda por fazer. E temos todos, como pessoas, condições de darmos mais. A força agora é no cidadão, no poder de fazer a transformação. Fazer um churrasco, reunir a família, os amigos, isto nos renova, reconecta, desperta os sentidos.

Nossas fraquezas, tão escondidas, são, afinal, bem-vindas. O que eu precisava era só aprender a pedir ajuda. Não consigo fazer nada sozinho. Nos reunimos neste dia 28 para pedirmos ajuda para construirmos os nossos caminhos. “Quanto mais eu consigo me entregar e pedir ajuda, mais forte eu fico.”

Se não pararmos de dar corda às nossas almas inquietas, nossos bichinhos vão continuar pulando e girando sem rumo e seguiremos como pessoas desconectadas. Quem tem coragem de dar um fim a isto, de admitir fraquezas, de resgatar as palavras e as pessoas? Viemos aqui por conta das palavras. Escrever ajuda.Voltemos ao mundo das palavras para reaprendermos a viver com alguma serenidade.

Se olharmos lá fora – e também aqui dentro – as pessoas que puderam fazer um balanço de suas vidas se arrependeram de coisas bem simples. Como de terem tido pouco tempo para a família, para as coisas coloquiais, banais, triviais, simples. Vivemos com culpa por não estarmos inteiros com os filhos, os amigos. E daí vem o dilema: geramos valor para os acionista ou jogamos bola com a gurizada? Os lugares onde conseguimos nos reconectar não têm nada de luxo. São triviais. Nos reencontramos correndo, no silêncio do mar à espera de uma onda, cozinhando, rabiscando. Temos instintos bem básicos que procuramos contemplar toda hora e esquecemos de um bem importante: o gregário! Precisamos viver em bandos! Precisamos nos encontrar com as pessoas e queremos que estejam o mais inteiras possíveis em cada um destes encontros, com menos avatares e mais alma. Somos produtos à venda nas redes sociais, observados, expostos. Onde fica nossa abordagem mais crítica do consumo para que não viremos, novamente, manadas?

Alguns de nós meditam há anos. Outros têm a vontade, mas ainda não a coragem. Nos inquietamos com as doenças da sociedade, com o piloto automático que vivemos, com a corrupção escrachada, com a impunidade. Que filhos vamos deixar para o mundo? Será que nos demos conta que o tal modelo capitalista também fracassou? Preparar para o vestibular desde a primeira série não serve! Quem nos prepara para a vida? Estamos cuidando de periféricos e esquecemos de nossos pontos centrais! Viramos escravos de um modelo muito bem montado. E este consumismo exacerbado incomoda. É comum, mas não é normal!

Estivemos reunidos porque tivemos a coragem e a capacidade de estarmos juntos sem piloto automático, de fazermos, pelo menos um dia, meio sem mapa. Nos encontrarmos trouxe um pouco de conforto, deu alguma referência, ainda que móvel, aos nossos mares pessoais. Trouxemos fluidez e entendimento às nossas questões, nos sentimos “meio sócios” em propósitos, nos reconhecendo uns nos outros como seres humanos capazes de confiar, de admirar e ter afinidades. O futuro da competição tem a ver com unir e co-criar, com o valor da troca, com arte, sabedoria e conhecimento. A arte nos faz mais humanos, mais sensíveis. Vamos resgatá-la em nossas vidas!

Fomos para a vida feito passarinhos e estamos reaprendendo a voar. Nos encantamos com as relações, com a profunda transformação do mundo, que já começou. Nossas vidas têm sido um grande voo, um bater de asas, uma desconstrução, uma reassociação. Chegamos cheios de incertezas porque, no fundo, gostamos delas. Cada vez que fizemos uma viagem, estamos mergulhando num universo de incertezas. Estarmos mais conscientes sobre as incertezas ajuda. Buscamos em nós mesmos, nos nossos nomes “oficiais”, ou nos nossos apelidos, espaços para sermos inquietos e também felizes. Nos adaptamos, corremos, buscamos nossos tigres de pelúcia para reaprendermos a magia de brincar. O tempo passou rápido e nossas crianças ficaram pelo caminho. Nossos oráculos do pão estão aí, disponíveis para nos ajudarem a re-despertar e a nos redescubrirmos.

Quem de nós já chegou do outro lado, já tem tempo pra família, já vive no mato, também está em crise. Bela ironia do destino! Reconstruir laços também faz parte. Não dá pra ser feliz sozinho. Há uma força divina na co-criação, nesta coisa que nos une pela respiração. Somos privilegiados, até por nos permitirmos parar e questionar. São as diferenças que nos fortalecem como grupo, para que não nos tornemos pequenas igrejas. Resgatemos nossas inocências, reaprendamos a sintetizar. As lições todas já foram ensinadas. E os pontos de contato vão aparecendo nas falas, à medida em que interagimos, que trocamos.

Temos, juntos, a capacidade de gerar ação, de fazermos uma transformação profunda. Vamos passar a viver muito mais tempo. O que fazer com isto tudo? Somos indivíduos altamente conectados, protagonistas em nossos locais. Temos que reaprender a tirar o sorriso dos outros, a desarmá-los, nem que tenhamos que vestir uma máscara de “lobo mau do bem”. É simples como isto. Porque acessamos o lado infantil do outro, o desarmamos quando o fizemos. Não é doutrinar. É pensar em experiências positivas, em pequenos grandes movimentos que nos ajudem a aprendermos a envelhecer e a viver. Estamos falando em amizade, em intelecto, em buscas espirituais, pessoais, em nos reconhecermos como veículos de passar coisas que conhecemos ou descobrimos. Pedir ajuda, dar as mãos, afinar relações podem ser bons caminhos. E não adiantar só pensar, desenhar. Temos também que agir, levar para um lugar melhor algo do que aquele que você pegou. Nossas funções são fazer alguma coisa, criar, concretizar também.

Para isto, precisamos, de tempos em tempos, respirar o vazio e o silêncio. Esquecer um pouco a aflição de estarmos aflitos e encontrarmos serenidade e paz para nossas inquietudes. Façamos o que está ao alcance de nossas mãos. E já está de bom tamanho.
Nos reencontramos, no grupo, com conexões antigas e inesperadas. Com pessoas que não víamos há tempos. E com outras tantas que nunca vimos e que disseram muito de nós. Nos descobrimos inquietos porque nos enxergamos como grandes árvores de natal, cheios de coisas penduradas. Temos que desconstruir! Encontrar a essência. E isto vale ainda mais para aqueles que começaram já a jogar “o segundo tempo” da vida.

Nos dedicarmos àquilo que realmente importa, à essência, a fazer menos e melhor.
Reencontramos nossos perfis exploradores, grandes guerreiros, amantes e descobridores da impermanência da vida. Nos inquietamos com reuniões demais e ações de menos. Tem que ter fricção para fluir. Mais que guerreiros, que todos somos – e dos bons, chegou a hora de “largarmos um pouco as velhas armas” e nos redescobrirmos como cuidadores. Primeiro, de nós, para então aprendermos a cuidar do entorno e, quem sabe, do planeta. Se eu ainda não sei nem cuidar de mim, como vou cuidar do outro? A vida cuida da vida. Vivo dos instantes e do momento. E como dizem os “novos filófosos”, “quando a mente fica quieta é tão bom porque depois ela se enche de ideias”.

* E se eu fosse escolher uma só palavra pra tudo isto? Desaprender! Simples assim. Mas quem disse que é simples?