Era
um dia bem ensolarado, daqueles típicos de começo de primavera.
Friozinho. Numa casa neo até no nome, recém inaugurada, 44
corajosos reuniram-se, baseados simplesmente na confiança e na
intuição. Eu, barriguda que só de uma Carolina que chegou pouco
mais de um mês depois, fui uma das provocadoras / anfitriãs,
curiosa deste encontro que, para mim, foi só a faísca de muitos
outros que virão. Já estão vindo! Ninguém sabia o que era, por
que era nem quem estaria lá. Mas todos confiaram e foram. Alguns
meses se passaram e o que conversamos num grande círculo no dia 28
de setembro de 2012 nunca esteve tão atual. Somos, afinal, seres
inquietos, “almas inquietas”, como nos chamamos depois. Este
encontro aconteceu de fato. E continua retumbando na minha cabeça.
Não acho justo não divulgar o que falamos por lá porque, de uma
forma ou outra, cada um de nós foi um pouco espelho do momento que
vivemos hoje na tal Humanidade. Aqui vai o relato que fiz uns dias
depois. Assim, meio solto, meio de sopetão, ainda engasgado e sendo
digerido. Cada frase daria um post e uma semana de reflexão. Sigo
desaprendendo com tudo o que aprendemos por lá.
By
the way, o que inquieta as nossas almas?
No
último dia 28 pudemos falar sobre isto num grande círculo
aberto de
sentimentos e percepções. Éramos 44, mas representávamos bem mais
que este número, até porque nós mesmos estávamos lá carregando
diferentes papeis e personagens. De gestores e profissionais,
felizmente, levamos poucos e conseguimos deixar relativamente do lado
de fora as preocupações corporativas para levarmos um tanto de
nossas outras personalidades. E era uma sexta-feira de fechamento de
mês e trimestre! Ninguém chegou lá com seus cargos ou sobrenomes.
Éramos
nós mesmos,
em primeiro nome, todos inquietos, curiosos e corajosos para nos
entregarmos a algo que nenhum sabia o que seria.
Aos
poucos, o círculo fluiu e os pontos de conexão começaram a se
estabelecer, num discurso
individual que tinha muito de coletivo.
Cada fala poderia ser minha. Na verdade, era um pouco de cada um
retratado na boca do outro. Ufa. O convite tinha sentido e as
pessoas, tão diferentes, estavam ali todas muito iguais.
Levamos
objetos e fotos que nos representam e despimos nossas almas para
mentes desconhecidas.
Falamos
de nossos medos, desejos, sonhos, inquietudes.
Das redes digitais X livros físicos, dos nossos filhos, nossos
hobbies, do que fazemos para aquietar nossas cabeças. Contamos que
largamos nossos empregos para buscar sonhos, que sentimos falta de um
propósito, que nos sentimos incompletos e que queremos exercer nos
nossos dia a dia quem nós somos de fato. Descobrimos, juntos, que
não
fazemos nada sozinhos,
que unir pontas e juntar coisas faz cada vez mais sentido. Queremos
desaprender
juntos
e nos alfabetizar novamente. Desta vez, alfabetizar
os nossos emocionais.
Respondemos
ao chamado, à palavra “venha” e, quando vimos, estávamos ali,
entregues, nos enxergando como seres desta casa-planeta tão ampla.
Somos parte deste todo. Compartilhamos a necessidade de enxergarmos
além do que vimos, a importância de usarmos novos olhares para
abrirmos nossos campos de visão. E que talvez nossos
filhos sejam grandes pontes para nos ajudarem nesta amplitude visual.
Sempre vai ter um espaço que não compartilhamos. É neste gap que
entra a confiança para enxergar o que eu não estou vendo.
Chegamos
por causa de uma sequência de eventos, que começaram no dia em que
nascemos. Somos
o que construímos.
Vimos, independente das idades e das tais “questões geracionais”,
pessoas lidando com um
novo social.
Não precisamos de organizações hierárquicas para nos
relacionarmos. Este tal “livre arbítrio” nos inquieta. Afinal, o
que cada um vai colocar nesta malha abundante para deixá-la fluir?
Trouxemos
histórias em comum de pessoas empreendedoras e corajosas. Muitos de
nós trouxemos histórias de família de também empreendedores que
nos inspiraram. Éramos muitos engenheiros, todos abertos a
reengenharias de vida, sobretudo, engenheiros
de gente, questionando
coisas da vida, modelos de produção em consumo, com a certeza de
que uma mudança é possível. A mudança ainda não aconteceu porque
as pessoas não querem. Falta
a transformação pessoal.
Enxergamos
nos nossos filhos suas capacidades de viverem o agora, de não terem
limites nem medos. Por
que nós não nos permitimos viver o agora? Temos
que esperar as aposentadorias para nos prepararmos para usufruirmos
de uma “tal liberdade”?
Esta
coisa de nação, local, regionalismos, isto tudo já era. Foi. Não
estamos falando de reforma, mas de uma
grande revolução.
Precisamos de gente jovem disposta realmente a mudar, tenha ela 15,
40 ou 70 anos. Juventude de sangue e coragem para mexer. Nós ainda
não acreditamos uns nos outros, não nos entregamos, “vamos dar
com a cara no poste e continuamos andando a passos firmes”. Digamos
não aos esteriótipos, não
adianta mais discutirmos a superfície! Temos que ir no âmago.
E
aí vem a pergunta: qual é o legado
disto
tudo que eu estou fazendo? Como apresentar projetos que não sabemos
como fazer e como encontrar pessoas que topem saber que não sabemos?
Não sabemos o que fazer mas estamos dispostos a fazer. E este tal
processo colaborativo pode ser bacana. Com que pessoas, afinal, eu
quero trabalhar? Com quem quero customizar a minha “vaca em
branco”? Tem a ver com educação, reeducação, “deseducação”.
Precisamos procurar as pessoas certas para dar sentido a tudo isto.
Precisamos sair
do efeito “manada” e
deixarmos de ser mais uma vaca no rebanho. Estamos
abrindo mão de sermos humanos!
Como,
então, modificar esta realidade? Como nos comunicarmos /
interagirmos diferentes dos animais? Onde
fica nosso poder de indivíduo na sociedade? Estamos
realmente buscando romper para sairmos do rebanho, buscando outras
questões? Como construirmos uma linguagem comum às nossas
inquietações? Como sermos elásticos
para mudar, sem perdermos nossa capacidade de amarrar as coisas de
vez em quando?
Já
percebemos o poder das comunidades. Pequenas cidades podem fazer
milagres. Precisamos tomar o poder de volta e agir, fazermos uma
viagem ao interior para encontrarmos mais sentidos para nossas vidas.
O que queremos é tão simples quanto amar e sermos amados, sermos
reconhecidos. Por que, então, é tão difícil? Buscamos a
auto-suficiência, queremos criar nossos mundos, com energias
renováveis e renovadas. O alimento nos ajuda, as histórias de vida
de nossos avós, a consciência do local dentro do global, a
comida que também alimenta a alma.
Queremos criar cidadania, dignidade, curiosidade, propósito, com
pessoas jovens de espírito ou com espírito jovem. Queremos
transformar, queremos encontros de troca e experiências, queremos
viajar para um mundo melhor, inovar, renovar.
Somos
um pouco físicos, curiosos, vivemos num mundo de incertezas, da
interdisciplina, da rede. Não temos que salvar o planeta. Temos
é que nos salvar enquanto pessoas que somos. Fazemos
as mesmas coisas há tempos e esquecemos de renovar as nossas
energias pessoais. Onde isto vai parar? Fazemos
força demais para as coisas erradas. Não
basta sermos esforçados. Temos que direcionar esta força toda para
o lado certo. Preciso de um outro sistema onde eu me apoio, de
pessoas que queiram transformar o mundo tocando no mundo atual.
Temos
muitas coisas importantes ainda por fazer. E temos todos, como
pessoas, condições de darmos mais. A força agora é no cidadão,
no poder de fazer a transformação. Fazer um churrasco, reunir a
família, os amigos, isto nos renova, reconecta, desperta os
sentidos.
Nossas
fraquezas, tão escondidas, são, afinal, bem-vindas. O
que eu precisava era só aprender
a pedir ajuda.
Não consigo fazer nada sozinho. Nos reunimos neste dia 28 para
pedirmos ajuda para construirmos os nossos caminhos. “Quanto
mais eu consigo me entregar e pedir ajuda, mais forte eu fico.”
Se
não pararmos de dar corda às nossas almas inquietas, nossos
bichinhos vão continuar pulando e girando sem rumo e seguiremos como
pessoas desconectadas. Quem tem coragem de dar um fim a isto, de
admitir fraquezas, de resgatar as palavras e as pessoas? Viemos aqui
por conta das palavras. Escrever ajuda.Voltemos ao mundo das palavras
para reaprendermos a viver com alguma serenidade.
Se
olharmos lá fora – e também aqui dentro – as pessoas que
puderam fazer um balanço de suas vidas se arrependeram de coisas bem
simples. Como de terem tido pouco tempo para a família, para as
coisas coloquiais, banais, triviais, simples. Vivemos com culpa por
não estarmos inteiros com os filhos, os amigos. E daí vem o dilema:
geramos
valor para os acionista ou jogamos bola com a gurizada? Os
lugares onde conseguimos nos reconectar não têm nada de luxo. São
triviais. Nos reencontramos correndo, no silêncio do mar à espera
de uma onda, cozinhando, rabiscando. Temos instintos bem básicos que
procuramos contemplar toda hora e esquecemos de um bem importante: o
gregário!
Precisamos
viver em bandos! Precisamos
nos encontrar com as pessoas e queremos que estejam o mais inteiras
possíveis em cada um destes encontros, com menos avatares e mais
alma. Somos produtos à venda nas redes sociais, observados,
expostos. Onde fica nossa abordagem mais crítica do consumo para que
não viremos, novamente, manadas?
Alguns
de nós meditam há anos. Outros têm a vontade, mas ainda não a
coragem. Nos inquietamos com as doenças da sociedade, com o piloto
automático que vivemos, com a corrupção escrachada, com a
impunidade. Que filhos vamos deixar para o mundo? Será que nos demos
conta que o tal modelo capitalista também fracassou? Preparar para o
vestibular desde a primeira série não serve! Quem
nos prepara para a vida? Estamos
cuidando de periféricos e esquecemos de nossos pontos centrais!
Viramos escravos de um modelo muito bem montado. E este consumismo
exacerbado incomoda. É
comum, mas não é normal!
Estivemos
reunidos porque tivemos a coragem e a capacidade de estarmos juntos
sem piloto automático, de fazermos, pelo menos um dia, meio sem
mapa. Nos encontrarmos trouxe um pouco de conforto, deu alguma
referência, ainda que móvel, aos nossos mares pessoais. Trouxemos
fluidez e entendimento às nossas questões, nos
sentimos “meio sócios” em propósitos,
nos reconhecendo uns nos outros como seres humanos capazes de
confiar, de admirar e ter afinidades. O futuro da competição tem a
ver com unir
e co-criar, com o valor da troca, com arte, sabedoria e conhecimento.
A arte nos faz mais humanos,
mais sensíveis. Vamos resgatá-la em nossas vidas!
Fomos
para a vida feito passarinhos e estamos reaprendendo a voar. Nos
encantamos com as relações, com a profunda transformação do
mundo, que já começou. Nossas
vidas têm sido um grande voo, um bater de asas, uma
desconstrução, uma reassociação. Chegamos cheios de incertezas
porque, no fundo, gostamos delas. Cada vez que fizemos uma viagem,
estamos mergulhando num universo de incertezas. Estarmos mais
conscientes sobre as incertezas ajuda. Buscamos em nós mesmos, nos
nossos nomes “oficiais”, ou nos nossos apelidos, espaços para
sermos inquietos e também felizes. Nos adaptamos, corremos, buscamos
nossos tigres de pelúcia para reaprendermos a magia de brincar. O
tempo passou rápido e nossas crianças ficaram pelo caminho. Nossos
oráculos do pão estão aí, disponíveis para nos ajudarem a
re-despertar e a nos redescubrirmos.
Quem
de nós já chegou do outro lado, já tem tempo pra família, já
vive no mato, também está em crise. Bela ironia do destino!
Reconstruir laços também faz parte. Não dá pra ser feliz sozinho.
Há
uma força divina na co-criação, nesta coisa que nos une pela
respiração. Somos
privilegiados, até por nos permitirmos parar e questionar. São
as diferenças que nos fortalecem como grupo, para que não nos
tornemos pequenas igrejas.
Resgatemos nossas inocências, reaprendamos a sintetizar. As lições
todas já foram ensinadas. E os pontos de contato vão aparecendo nas
falas, à medida em que interagimos, que trocamos.
Temos,
juntos, a capacidade de gerar ação, de fazermos uma transformação
profunda. Vamos passar a viver muito mais tempo. O que fazer com isto
tudo? Somos indivíduos altamente conectados, protagonistas em nossos
locais. Temos que reaprender a tirar o sorriso dos outros, a
desarmá-los, nem
que tenhamos que vestir uma máscara de “lobo mau do bem”. É
simples como isto. Porque acessamos o lado infantil do outro, o
desarmamos quando o fizemos. Não é doutrinar. É pensar em
experiências positivas, em pequenos grandes movimentos que nos
ajudem a aprendermos a envelhecer e a viver. Estamos falando em
amizade, em intelecto, em buscas espirituais, pessoais, em nos
reconhecermos como veículos de passar coisas que conhecemos ou
descobrimos.
Pedir ajuda, dar as mãos, afinar relações podem ser bons caminhos.
E não adiantar só pensar, desenhar. Temos também que agir, levar
para um lugar melhor algo do que aquele que você pegou. Nossas
funções são fazer alguma coisa, criar, concretizar também.
Para
isto, precisamos,
de tempos em tempos, respirar o vazio e o silêncio. Esquecer
um pouco a aflição de estarmos aflitos e encontrarmos serenidade e
paz para nossas inquietudes. Façamos o que está ao alcance de
nossas mãos. E já está de bom tamanho.
Nos
reencontramos, no grupo, com conexões antigas e inesperadas. Com
pessoas que não víamos há tempos. E com outras tantas que nunca
vimos e que disseram muito de nós. Nos descobrimos inquietos porque
nos
enxergamos como grandes árvores de natal, cheios de coisas
penduradas. Temos
que desconstruir!
Encontrar a essência. E isto vale ainda mais para aqueles que
começaram já a jogar “o segundo tempo” da vida.
Nos
dedicarmos àquilo que realmente importa, à essência, a
fazer menos e melhor.
Reencontramos
nossos perfis exploradores, grandes guerreiros, amantes e
descobridores da impermanência da vida. Nos inquietamos com reuniões
demais e ações de menos. Tem
que ter fricção para fluir. Mais
que guerreiros, que todos somos – e dos bons, chegou a hora de
“largarmos um pouco as velhas armas” e nos
redescobrirmos como cuidadores.
Primeiro, de nós, para então aprendermos a cuidar do entorno e,
quem sabe, do planeta. Se
eu ainda não sei nem cuidar de mim, como vou cuidar do outro? A
vida cuida da vida. Vivo dos instantes e do momento. E como dizem os
“novos filófosos”, “quando
a mente fica quieta é tão bom porque depois ela se enche de
ideias”.
*
E se eu fosse escolher uma só palavra pra tudo isto? Desaprender!
Simples
assim.
Mas
quem disse que é simples?
Que bom ler esse teu texto, Andréa! ;) bjs
ResponderExcluir