domingo, 19 de maio de 2013

Foi num 28 de setembro.


Era um dia bem ensolarado, daqueles típicos de começo de primavera. Friozinho. Numa casa neo até no nome, recém inaugurada, 44 corajosos reuniram-se, baseados simplesmente na confiança e na intuição. Eu, barriguda que só de uma Carolina que chegou pouco mais de um mês depois, fui uma das provocadoras / anfitriãs, curiosa deste encontro que, para mim, foi só a faísca de muitos outros que virão. Já estão vindo! Ninguém sabia o que era, por que era nem quem estaria lá. Mas todos confiaram e foram. Alguns meses se passaram e o que conversamos num grande círculo no dia 28 de setembro de 2012 nunca esteve tão atual. Somos, afinal, seres inquietos, “almas inquietas”, como nos chamamos depois. Este encontro aconteceu de fato. E continua retumbando na minha cabeça. Não acho justo não divulgar o que falamos por lá porque, de uma forma ou outra, cada um de nós foi um pouco espelho do momento que vivemos hoje na tal Humanidade. Aqui vai o relato que fiz uns dias depois. Assim, meio solto, meio de sopetão, ainda engasgado e sendo digerido. Cada frase daria um post e uma semana de reflexão. Sigo desaprendendo com tudo o que aprendemos por lá.

By the way, o que inquieta as nossas almas?
No último dia 28 pudemos falar sobre isto num grande círculo aberto de sentimentos e percepções. Éramos 44, mas representávamos bem mais que este número, até porque nós mesmos estávamos lá carregando diferentes papeis e personagens. De gestores e profissionais, felizmente, levamos poucos e conseguimos deixar relativamente do lado de fora as preocupações corporativas para levarmos um tanto de nossas outras personalidades. E era uma sexta-feira de fechamento de mês e trimestre! Ninguém chegou lá com seus cargos ou sobrenomes. Éramos nós mesmos, em primeiro nome, todos inquietos, curiosos e corajosos para nos entregarmos a algo que nenhum sabia o que seria.
Aos poucos, o círculo fluiu e os pontos de conexão começaram a se estabelecer, num discurso individual que tinha muito de coletivo. Cada fala poderia ser minha. Na verdade, era um pouco de cada um retratado na boca do outro. Ufa. O convite tinha sentido e as pessoas, tão diferentes, estavam ali todas muito iguais.
Levamos objetos e fotos que nos representam e despimos nossas almas para mentes desconhecidas.

Falamos de nossos medos, desejos, sonhos, inquietudes. Das redes digitais X livros físicos, dos nossos filhos, nossos hobbies, do que fazemos para aquietar nossas cabeças. Contamos que largamos nossos empregos para buscar sonhos, que sentimos falta de um propósito, que nos sentimos incompletos e que queremos exercer nos nossos dia a dia quem nós somos de fato. Descobrimos, juntos, que não fazemos nada sozinhos, que unir pontas e juntar coisas faz cada vez mais sentido. Queremos desaprender juntos e nos alfabetizar novamente. Desta vez, alfabetizar os nossos emocionais.

Respondemos ao chamado, à palavra “venha” e, quando vimos, estávamos ali, entregues, nos enxergando como seres desta casa-planeta tão ampla. Somos parte deste todo. Compartilhamos a necessidade de enxergarmos além do que vimos, a importância de usarmos novos olhares para abrirmos nossos campos de visão. E que talvez nossos filhos sejam grandes pontes para nos ajudarem nesta amplitude visual. Sempre vai ter um espaço que não compartilhamos. É neste gap que entra a confiança para enxergar o que eu não estou vendo.

Chegamos por causa de uma sequência de eventos, que começaram no dia em que nascemos. Somos o que construímos. Vimos, independente das idades e das tais “questões geracionais”, pessoas lidando com um novo social. Não precisamos de organizações hierárquicas para nos relacionarmos. Este tal “livre arbítrio” nos inquieta. Afinal, o que cada um vai colocar nesta malha abundante para deixá-la fluir?

Trouxemos histórias em comum de pessoas empreendedoras e corajosas. Muitos de nós trouxemos histórias de família de também empreendedores que nos inspiraram. Éramos muitos engenheiros, todos abertos a reengenharias de vida, sobretudo, engenheiros de gente, questionando coisas da vida, modelos de produção em consumo, com a certeza de que uma mudança é possível. A mudança ainda não aconteceu porque as pessoas não querem. Falta a transformação pessoal.

Enxergamos nos nossos filhos suas capacidades de viverem o agora, de não terem limites nem medos. Por que nós não nos permitimos viver o agora? Temos que esperar as aposentadorias para nos prepararmos para usufruirmos de uma “tal liberdade”?

Esta coisa de nação, local, regionalismos, isto tudo já era. Foi. Não estamos falando de reforma, mas de uma grande revolução. Precisamos de gente jovem disposta realmente a mudar, tenha ela 15, 40 ou 70 anos. Juventude de sangue e coragem para mexer. Nós ainda não acreditamos uns nos outros, não nos entregamos, “vamos dar com a cara no poste e continuamos andando a passos firmes”. Digamos não aos esteriótipos, não adianta mais discutirmos a superfície! Temos que ir no âmago.

E aí vem a pergunta: qual é o legado disto tudo que eu estou fazendo? Como apresentar projetos que não sabemos como fazer e como encontrar pessoas que topem saber que não sabemos? Não sabemos o que fazer mas estamos dispostos a fazer. E este tal processo colaborativo pode ser bacana. Com que pessoas, afinal, eu quero trabalhar? Com quem quero customizar a minha “vaca em branco”? Tem a ver com educação, reeducação, “deseducação”. Precisamos procurar as pessoas certas para dar sentido a tudo isto. Precisamos sair do efeito “manada” e deixarmos de ser mais uma vaca no rebanho. Estamos abrindo mão de sermos humanos!

Como, então, modificar esta realidade? Como nos comunicarmos / interagirmos diferentes dos animais? Onde fica nosso poder de indivíduo na sociedade? Estamos realmente buscando romper para sairmos do rebanho, buscando outras questões? Como construirmos uma linguagem comum às nossas inquietações? Como sermos elásticos para mudar, sem perdermos nossa capacidade de amarrar as coisas de vez em quando?

Já percebemos o poder das comunidades. Pequenas cidades podem fazer milagres. Precisamos tomar o poder de volta e agir, fazermos uma viagem ao interior para encontrarmos mais sentidos para nossas vidas. O que queremos é tão simples quanto amar e sermos amados, sermos reconhecidos. Por que, então, é tão difícil? Buscamos a auto-suficiência, queremos criar nossos mundos, com energias renováveis e renovadas. O alimento nos ajuda, as histórias de vida de nossos avós, a consciência do local dentro do global, a comida que também alimenta a alma. Queremos criar cidadania, dignidade, curiosidade, propósito, com pessoas jovens de espírito ou com espírito jovem. Queremos transformar, queremos encontros de troca e experiências, queremos viajar para um mundo melhor, inovar, renovar.

Somos um pouco físicos, curiosos, vivemos num mundo de incertezas, da interdisciplina, da rede. Não temos que salvar o planeta. Temos é que nos salvar enquanto pessoas que somos. Fazemos as mesmas coisas há tempos e esquecemos de renovar as nossas energias pessoais. Onde isto vai parar? Fazemos força demais para as coisas erradas. Não basta sermos esforçados. Temos que direcionar esta força toda para o lado certo. Preciso de um outro sistema onde eu me apoio, de pessoas que queiram transformar o mundo tocando no mundo atual.

Temos muitas coisas importantes ainda por fazer. E temos todos, como pessoas, condições de darmos mais. A força agora é no cidadão, no poder de fazer a transformação. Fazer um churrasco, reunir a família, os amigos, isto nos renova, reconecta, desperta os sentidos.

Nossas fraquezas, tão escondidas, são, afinal, bem-vindas. O que eu precisava era só aprender a pedir ajuda. Não consigo fazer nada sozinho. Nos reunimos neste dia 28 para pedirmos ajuda para construirmos os nossos caminhos. “Quanto mais eu consigo me entregar e pedir ajuda, mais forte eu fico.”

Se não pararmos de dar corda às nossas almas inquietas, nossos bichinhos vão continuar pulando e girando sem rumo e seguiremos como pessoas desconectadas. Quem tem coragem de dar um fim a isto, de admitir fraquezas, de resgatar as palavras e as pessoas? Viemos aqui por conta das palavras. Escrever ajuda.Voltemos ao mundo das palavras para reaprendermos a viver com alguma serenidade.

Se olharmos lá fora – e também aqui dentro – as pessoas que puderam fazer um balanço de suas vidas se arrependeram de coisas bem simples. Como de terem tido pouco tempo para a família, para as coisas coloquiais, banais, triviais, simples. Vivemos com culpa por não estarmos inteiros com os filhos, os amigos. E daí vem o dilema: geramos valor para os acionista ou jogamos bola com a gurizada? Os lugares onde conseguimos nos reconectar não têm nada de luxo. São triviais. Nos reencontramos correndo, no silêncio do mar à espera de uma onda, cozinhando, rabiscando. Temos instintos bem básicos que procuramos contemplar toda hora e esquecemos de um bem importante: o gregário! Precisamos viver em bandos! Precisamos nos encontrar com as pessoas e queremos que estejam o mais inteiras possíveis em cada um destes encontros, com menos avatares e mais alma. Somos produtos à venda nas redes sociais, observados, expostos. Onde fica nossa abordagem mais crítica do consumo para que não viremos, novamente, manadas?

Alguns de nós meditam há anos. Outros têm a vontade, mas ainda não a coragem. Nos inquietamos com as doenças da sociedade, com o piloto automático que vivemos, com a corrupção escrachada, com a impunidade. Que filhos vamos deixar para o mundo? Será que nos demos conta que o tal modelo capitalista também fracassou? Preparar para o vestibular desde a primeira série não serve! Quem nos prepara para a vida? Estamos cuidando de periféricos e esquecemos de nossos pontos centrais! Viramos escravos de um modelo muito bem montado. E este consumismo exacerbado incomoda. É comum, mas não é normal!

Estivemos reunidos porque tivemos a coragem e a capacidade de estarmos juntos sem piloto automático, de fazermos, pelo menos um dia, meio sem mapa. Nos encontrarmos trouxe um pouco de conforto, deu alguma referência, ainda que móvel, aos nossos mares pessoais. Trouxemos fluidez e entendimento às nossas questões, nos sentimos “meio sócios” em propósitos, nos reconhecendo uns nos outros como seres humanos capazes de confiar, de admirar e ter afinidades. O futuro da competição tem a ver com unir e co-criar, com o valor da troca, com arte, sabedoria e conhecimento. A arte nos faz mais humanos, mais sensíveis. Vamos resgatá-la em nossas vidas!

Fomos para a vida feito passarinhos e estamos reaprendendo a voar. Nos encantamos com as relações, com a profunda transformação do mundo, que já começou. Nossas vidas têm sido um grande voo, um bater de asas, uma desconstrução, uma reassociação. Chegamos cheios de incertezas porque, no fundo, gostamos delas. Cada vez que fizemos uma viagem, estamos mergulhando num universo de incertezas. Estarmos mais conscientes sobre as incertezas ajuda. Buscamos em nós mesmos, nos nossos nomes “oficiais”, ou nos nossos apelidos, espaços para sermos inquietos e também felizes. Nos adaptamos, corremos, buscamos nossos tigres de pelúcia para reaprendermos a magia de brincar. O tempo passou rápido e nossas crianças ficaram pelo caminho. Nossos oráculos do pão estão aí, disponíveis para nos ajudarem a re-despertar e a nos redescubrirmos.

Quem de nós já chegou do outro lado, já tem tempo pra família, já vive no mato, também está em crise. Bela ironia do destino! Reconstruir laços também faz parte. Não dá pra ser feliz sozinho. Há uma força divina na co-criação, nesta coisa que nos une pela respiração. Somos privilegiados, até por nos permitirmos parar e questionar. São as diferenças que nos fortalecem como grupo, para que não nos tornemos pequenas igrejas. Resgatemos nossas inocências, reaprendamos a sintetizar. As lições todas já foram ensinadas. E os pontos de contato vão aparecendo nas falas, à medida em que interagimos, que trocamos.

Temos, juntos, a capacidade de gerar ação, de fazermos uma transformação profunda. Vamos passar a viver muito mais tempo. O que fazer com isto tudo? Somos indivíduos altamente conectados, protagonistas em nossos locais. Temos que reaprender a tirar o sorriso dos outros, a desarmá-los, nem que tenhamos que vestir uma máscara de “lobo mau do bem”. É simples como isto. Porque acessamos o lado infantil do outro, o desarmamos quando o fizemos. Não é doutrinar. É pensar em experiências positivas, em pequenos grandes movimentos que nos ajudem a aprendermos a envelhecer e a viver. Estamos falando em amizade, em intelecto, em buscas espirituais, pessoais, em nos reconhecermos como veículos de passar coisas que conhecemos ou descobrimos. Pedir ajuda, dar as mãos, afinar relações podem ser bons caminhos. E não adiantar só pensar, desenhar. Temos também que agir, levar para um lugar melhor algo do que aquele que você pegou. Nossas funções são fazer alguma coisa, criar, concretizar também.

Para isto, precisamos, de tempos em tempos, respirar o vazio e o silêncio. Esquecer um pouco a aflição de estarmos aflitos e encontrarmos serenidade e paz para nossas inquietudes. Façamos o que está ao alcance de nossas mãos. E já está de bom tamanho.
Nos reencontramos, no grupo, com conexões antigas e inesperadas. Com pessoas que não víamos há tempos. E com outras tantas que nunca vimos e que disseram muito de nós. Nos descobrimos inquietos porque nos enxergamos como grandes árvores de natal, cheios de coisas penduradas. Temos que desconstruir! Encontrar a essência. E isto vale ainda mais para aqueles que começaram já a jogar “o segundo tempo” da vida.

Nos dedicarmos àquilo que realmente importa, à essência, a fazer menos e melhor.
Reencontramos nossos perfis exploradores, grandes guerreiros, amantes e descobridores da impermanência da vida. Nos inquietamos com reuniões demais e ações de menos. Tem que ter fricção para fluir. Mais que guerreiros, que todos somos – e dos bons, chegou a hora de “largarmos um pouco as velhas armas” e nos redescobrirmos como cuidadores. Primeiro, de nós, para então aprendermos a cuidar do entorno e, quem sabe, do planeta. Se eu ainda não sei nem cuidar de mim, como vou cuidar do outro? A vida cuida da vida. Vivo dos instantes e do momento. E como dizem os “novos filófosos”, “quando a mente fica quieta é tão bom porque depois ela se enche de ideias”.

* E se eu fosse escolher uma só palavra pra tudo isto? Desaprender! Simples assim. Mas quem disse que é simples?