sábado, 20 de novembro de 2010

José e Pilar

Eu tinha escutado pouco sobre a tal Pilar na vida do Saramago. Na verdade, eu também tinha interagido pouco com ele e sua obra até bem pouco tempo atrás. Mas quando eu fui apresentada  àquela linguagem, muita coisa mudou. Hoje, depois de assistir ao documentário "José e Pilar", mais coisas mudaram. Segundo o Saramago, ele era uma pessoa desassossegada com a missão de desassossegar as pessoas. Bueno. Conseguiu. O filme mostra basicamente a relação dele com a Pilar nos seus últimos anos de vida. Nada de roteiros elaborados, cenas mirabolantes. Retrata uma rotina de um casal apaixonado, idealista, inquieto. Existiu um Saramago antes e depois da Pilar. E isto ele deixa claro o tempo todo. Ela, uma mulher forte, jornalista, sabia o que queria quando o abordou e disse que queria conhecê-lo melhor. Ela o admirava. E a partir daquele dia, ele passou a admirá-la. Tiveram 20 e poucos anos intensos juntos. Ele começou a escrever comercialmente depois dos sessenta e tinha uma consciência absurda da urgência em colocar para fora suas palavras. E Pilar representou, durante este tempo todo, a energia vital que o fez viver e se expressar com tanta intensidade.  Saramago tinha senso de humor, convicções, mas era sereno e paciente. Pilar, por sua vez, transpirava força e garra. Segundo ela, é preciso "desdramatizar" a vida. E foi assim que a mistura destes ingredientes tão intrigantes deu origem a obras tão notáveis. "A viagem do elefante" foi a última delas, escrita com muitas pausas (Saramago adoeceu durante o "percurso"). Na verdade, Pilar e o elefante foram fundamentais para que Saramago vivesse mais algum tempo, período este em que ele pode amadurecer e curtir boa parte do que criou. Saramago morreu mas não sei foi. Ele não teve filhos. Mas teve Pilar e uma história de amor que não está nos livros. E que se perpetua em todas as dedicatórias que fez em cada uma de suas obras. E também na fundação que leva seu nome e que hoje, claro, é tocada por esta mulher vibrante que mudou sua vida. Sem Pilar, Saramago teria sido outro. Assim como somos novas pessoas quando encontramos pelo caminho pessoas que têm a coragem de nos desassossegar.