sábado, 29 de junho de 2013

Revoluções internas.

Estou há mais de duas semanas sem escrever no blog. Não por falta de vontade ou de assunto. Mas por respeito ao silêncio. Grandes revoluções aconteceram na minha vida neste período, mas outras tantas, infinitamente maiores, têm acontecido com a Humanidade, especialmente no Brasil, e eu ainda não tinha encontrado o fio da meada que as une. Pois bem, ontem no fim da tarde, em mais um café com conversa, alguns fios fizeram sentido e eis que estou aqui para falar sobre eles.
No dia seguinte ao meu último post, fiz uma oficina de redação com tricô com duas amigas queridas e corajosas, a Tania e a Florentine. Foi no dia 13, dia em que uma das maiores manifestações se articulava. Alguns corajosos aceitaram nosso convite e vieram tramar conosco histórias de vida. Até fizeram tricô, mas, entre um e outro pedaço de lã, surgiram também pedaços textuais que foram verdadeiros resgates. Provocamos a eles – e a nós, a se apresentarem com cinco anos de idade, trazendo elementos que fomos tecendo ao longo do encontro. Saíram textos lindos de pessoas que não necessariamente sabiam escrever. Intenso e de uma entrega ímpar. Dias depois, em Viamão, RS, tive a felicidade de falar no TEDx Laçador sobre “Desconstrução”. Na outra semana, estive com alguns outros tantos “desconstrutores”, num curso que tinha tudo para ser business e deu aula de reconexão e leitura interna.
Ontem, dia 28, fez nove meses que reunimos 42 mentes inquietas, num encontro totalmente às cegas onde falamos sobre o que nos move e o que vinha nos incomodando. Incômodos que gritavam e não encontravam eco. O Jean Bartoli, um dos filósofos que eu amo na vida, falou, neste curso da semana passada, sobre a dor que estamos vivendo com estas manifestações. Que ela pode ser a dor do parto ou a dor da hora final. Parece que chegou a hora de darmos à luz a algo que vinha nos incomodando.
Fazendo um daqueles exercícios do “e se”, fico pensando “e se os atos de vandalismo não estivessem desviando nossa atenção”, o que sobraria?

Um dos pedaços da minha fala no TEDx teve a ver com um vazio existencial que tenho assistido nas pessoas. Dos presidentes de empresas, que “chegaram lá”, aos jovens inquietos de 20 e poucos, que não têm a pretensão de chegar a este lugar que seus pais estão, o que os une é o mesmo vazio. De propósito, de sentido pra vida. Gastamos nossos tempos correndo para pagar contas e desencontramos o fio da meada das nossas próprias existências. Felizmente, ainda que com dor, recomeçamos a jornada. E estamos nos reencontrando. O Bartoli traçou toda sua fala em “voltar a beber na própria fonte”. O Igor Oliveira, amigo querido que não é filósofo, mas, felizmente, me faz parar para pensar toda hora, falou em revoluções “gandhianas”. “Seja gandhiano ou vença”, disse ele. Não acho que exista uma guerra. Muito menos que ela seja contra outro alguém. O maior de todos os desafios está em parar de apontar o dedo para fora e começar a olhar para dentro. A resgatar, um a um, os fios que dão sentido à nossa existência. Do reencontro com este grande e lindo tecido – que é único em cada um de nós, é que surgem as verdadeiras grandes revoluções.

* quem quiser conhecer um pouquinho mais do Bartoli, espie o blog dele :)
http://www.jeanbartoli.com.br/

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Assim, bem real.

Eu quero um amor bem real. De carne, osso e sorriso no rosto. Que me aceite por inteiro, sem maquiagem, com TPM, com dúvidas e medos existenciais. Quero um amor que não me julgue, que me apoie, que me coloque pra cima e me faça sentir a mulher mais linda do mundo. Quero um amor que goste de viajar. Não aquelas viagens perfeitas e programadas. Mas aquelas que a gente vira a rua quando dá vontade só pra ver o que tem no outro canto da cidade. Quero um amor que acorde alegre. Calado pode. Mal humorado, não. Que tenha um propósito de vida e que vá atrás dele com paixão. Quero um amor contagiante. Que chegue e ilumine o ambiente. Uma criatura imperfeita mas crítica para rever alguns conceitos. Alguém que me ouça,  que aceite deixar o iphone carregando no banheiro pra não cair em tentação de dar uma espiadinha no meio da noite. Quero um amor bem simples, sem frescuras. Que entenda que eu gosto de lugares mimosos e que, mesmo sem entender bem disto, se esforce pra me levar num ou outro sempre que dá. Quero um amor divertido, meio palhaço, dançarino, contador de causos. Um amor que queira construir uma família. Que, aliás,  ache lindo construir uma família. Quero um amor bem quentinho, que encoste o pé em mim no meio da noite, que se enrosque em mim e que não se importe de ter as cobertas roubadas, mesmo nas noites frias. Um amor inventor, meio professor pardal, que não se aperte, não se deprima, que não perca a esportiva. Um amor escabelado, tarado, intenso, mas que também curta ficar em casa o domingo inteiro assistindo filme com pipoca. Que me busque quando eu passar da conta com as amigas - e que leve uma garrafa de Coca embaixo do braço na operação de resgate. Quero um amor que me dê flores. Rosas vermelhas. E que chegue com elas embrulhadas embaixo do braço no meio de uma semana sem data ou motivo para comemorar. Aliás, quero um amor que esqueça as datas óbvias. Mas que me lembre o quanto sou tudo de bom assim, do nada. Que me leve pão com mel na cama de um jeitão meio tosco. Que me deixe dormir mais um pouco. Quero um amor sem fórmulas, sem cavalo branco, sem caber em caixas, sem agradar ninguém, que não a nós dois. Quero um amor bem amado. E que ele chegue na hora certa. E quando a hora chegar, eu vou saber. Opa. Chegou :)

terça-feira, 11 de junho de 2013

Diga-me como respiras.

Hoje eu participei de uma oficina que tinha tudo pra dar errado e deu muito certo. Aconteceu onde não deveria ter acontecido, tinha menos gente que o esperado (o temporal não ajudou) e foi muito na medida. Estavam exatamente as pessoas que tinham que estar e acabou ganhando ares de protótipo de uma coisa bem bacana que tem tudo para dar bons frutos logo ali na frente. Ah. Foi uma oficina de reconexão. Isto mesmo. Reaprender a se conectar consigo para, então, se conectar com o todo. Ares de yoga, temática musical inesperada e pequenos grandes aprendizados em formas de lembretes, simples e fundamentais. Um dia eu conto mais detalhes :)
No meio do encontro, uma história chegou para ilustrar a importância da consciência nas coisas que fazemos. Já tinha escutado, não sei de quem, mas adorei reouvi-la e acho que faz muito sentido. Não importa se foram os hindus que contaram ou se trata-se de uma lenda de um monge budista. Sei que conta que cada criatura que chega na Terra tem um número X de respirações que nasce com ela. Este número não pode ser mexido. É seu. Tão pessoal quanto uma impressão digital. Não temos o menor poder de transformar este número. Mas podemos medir sua intensidade. Posso escolher respirar às pressas, engolindo o ar enquanto tento conversar e me desdobrar em malabarismos ou posso respirar as mesmas respiradas calma e lentamente, sorvendo o ar com requintes de um sommelier. Não está super na moda degustar vinhos, chás, chocolates? Por que não degustar o ar? Além de diferente e divertido, dá até pra ganhar uns anos. Diga-me como respiras que te digo quanto tempo viverás.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

As cobras do caminho.

Quando eu era pequena, morava numa fazenda. Era a irmã do meio. Além dos meus dois irmãos, às vezes tínhamos a permissão de levar também para nossa casa um ou dois amigos. Éramos, portanto, uma verdadeira gangue, com idades em escadinha. Diversão garantida. Hoje eu tive um flash muito forte de uma de nossas aventuras. Não sei de onde saiu, mas ele veio, com uma clareza de dar saudade. Vizinha à nossa casa, no campo do lado, e bem longe (pra mim, que era pequena, beeeeem longe mesmo - não faço ideia de que distância), ficava a casa do nosso tio, já falecido, onde morava minha tia. Nas férias, os primos vinham da capital, Porto Alegre, e nos encontrávamos todos. Às vezes íamos de carro até lá, quando minha mãe nos levava pela estrada. Mas a aventura de verdade acontecia quando íamos a pé, sozinhos, atalhando pelo mato. Quase não dormíamos na noite anterior, preparando nossa grande aventura. Dos fundos da nossa casa, caminhávamos um campo grande (e limpo), numa descida muito íngrime que dava numa sanga (um córrego) no meio do mato fechado. Do outro lado, já na subida, tinha uma grande plantação, geralmente de milho, pela qual tínhamos que passar para chegar na casa da tal tia, a tia Adi. A grande adrenalina acontecia justo na passagem da sanga. Por causa do "perigo das cobras". Cresci ouvindo minha mãe falar o quanto eram perigosas. E eram. Na região tinham cobras realmente venenosas, com veneno letal e rápido para agir antes de chegarmos na cidade. Ou seja, não havia chance se fôssemos picados. Felizmente, fora algumas histórias bem pitorescas, nunca houve nenhum acidente. Mas sabíamos que elas estavam ali, à espera de um descuido nosso, principalmente no horário de sol quente quando, segundo nossa mãe, elas saíam para passear (belo artifício para que não fugíssemos da "hora da sesta"). Como eu ia dizendo, o ápice da ida à casa da tia pelo mato era atravessar a sanga. Alguns poucos metros de pura emoção porque justo ali havia a grande chance de "darmos de cara" com alguma cobra. Passávamos voando por aquele pedaço do caminho. Meu irmão com um pau na mão, todo machão, e nós, as meninas, aos gritinhos. Chegar ao outro lado não tinha preço. Ou melhor, tinha. Tinha até um gosto. Depois de mais alguns bons metros de plantação, eis que chegávamos à casa da tia e nosso heroísmo era recompensado com um delicioso pote de figada (doce de figo). Não existia figada igual àquela.
Lendo o blog da Bia Del Picchia e a Cris Balieiro (O feminino e o sagrado) e resgatando a jornada do herói de Campbell, me dou conta do quanto estas pequenas histórias marcam nossas vidas. E acabam moldando nossas personalidades. Crescemos e os tais caminhos para o pote de figada cresceram conosco. As cobras seguem por aí, agora travestidas de trânsito, projetos e até com nomes de gente, nas empresas, nas nossas relações. Algumas venenosas de verdade. Outras, nem veneno têm, mas seguem mexendo com nossa imaginação. Pois são elas, da cor que tiverem e do tamanho que forem, que nos ensinaram, e continuam a ensinar, que as nossas vidas não são só flores. As cobras, os nossos medos, estão ali só para sinalizar e para nos lembrar que somos nós os responsáveis pelas nossas vidas. Seres da natureza que são, estão, na maior parte das vezes, apenas assustadas. Dão o bote, picam, quando estão acuadas. Mais do que fugir delas, estejamos atentos às que aparecem nas nossas vidas. E agradeçamos. São elas que nos trazem mais adrenalina e um tempero de real à nossa existência. Como na jornada do herói de Campbell, são as batalhas que reenergizam nossas histórias e nos permitem recontá-las, depois, fortalecidos. E assim, de aventura em aventura, vamos vivendo e aprendendo. E nos tornamos seres mais completos. Há um plano B? Sempre há. Neste caso,  ficar em casa e não ultrapassar a sanga. Sem o risco das cobras. E também sem o gosto da aventura e a delícia da chegada. Todos os dias fizemos uma ou outra escolha.

* neste post do blog da Bia e da Cris, que eu citei, tem um videozinho lindo contando, de forma bem lúdica,  a jornada do Herói de Campbell. Vale a pena espiar :) 
http://www.ofemininoeosagrado.blogspot.com.br/2013/06/o-que-faz-um-heroi.html

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Quem nunca.

Dia destes eu assisti num filme um diálogo clássico da filha cobrando a mãe por ter ficado com seu pai apesar dele tê-la traído. Rancorosa, magoada, ela, a filha, comentou que a mãe não tinha o direito de ter feito de conta que nada aconteceu. Que não poderia ter ficado com ele e que se envergonhava por todos saberem da história, menos ela. Eis que a mãe, no auge de sua maturidade (e beleza), conta a ela que optou por ficar com o marido apesar do erro dele, mas acima de tudo porque optou por olhar para tudo de bom que eles tinham construído juntos ao longo de muitos anos. Longe de querer defender as traições e seus traidores (eu acho que são os que mais sofrem), acho muito difícil conseguirmos fazer este exercício. O de olhar o todo justo em situações extremas. Hoje tive uma conversa muito franca com algumas pessoas sobre erros e suas repercussões. Os erros são chatos, destroem nossas auto-estimas e tiram como um tampão toda uma credibilidade que construímos a conta-gotas. Mas, humanos que somos, erramos. Se não aconteceu, vai acontecer. Se já aconteceu, pode acontecer de novo. Ok, de preferência, que sejam erros novos. Repetir o mesmo erro é perder tempo. Na verdade, se fôssemos realmente perfeitos, desconfio que não teríamos motivos para estarmos aqui. Nas nossas pequenas imperfeições moram, às vezes, grandes belezas. A sarda do rosto que alguns tanto odeiam são, muitas vezes, o seu charme. O ponto não é não errar, mas saber o que fazer diante do erro, agindo como gente grande e enfrentando o bicho de frente. Tão fácil se queixar, colocar a culpa no outro, choramingar, fazer de conta que nada aconteceu, esconder-se embaixo da cama. Quantos de nós já não assistiu de camarote crises ocultas intocáveis que, tempos depois, viraram grandes e desastrosas tempestades? Mexer na ferida, conversar sobre o assunto e chegar na sua raiz são males (ou bens) necessários para a nossa evolução. Mas como fazer sem taxar, julgar, machucar ou bloquear? Que atire a primeira pedra quem nunca.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Não tá fácil!

Sabe quando você chega em um lugar que não conhece ninguém e precisa puxar um assunto para criar um link e uma conversa? Pois bem, geralmente acabamos falando sobre o tempo. “Tá frio.” “Nossa, quanta chuva!”. No elevador sempre acontece. Em São Paulo, vale falar do trânsito: “Peguei um engarrafamento sem fim para chegar aqui!” “Nossa, eu também!”. Mas se tiver um pouco mais de tempo e quiser um tema que não tem erro nunca, queixe-se da vida. Isto mesmo, resmungue, reclame e, em poucos segundos, terá encontrado eco no outro. “Não tá fácil” pode ser um bom começo. “Na luta”, “Estou destruído hoje” ou “Não aguento mais meu emprego” também são infalíveis. Parece que existe um imã nos seres humanos quando este tipo de assunto aparece. Uma comoção coletiva e uma sutil competição de quem é mais coitado na história. Se você não se queixar um pouco, meu amigo, sequer será respeitado. A última edição da Vida Simples falou sobre a grama verde do vizinho e sugeriu que as nossas também podem ser verdes. Eu entendo que não trata-se de enxergar o mundo cor de rosa, mas optar por aquilo que é bom e isolar o que não faz sentido para parar de sofrer. Ou até aprender com a desgraça que chega para nos alertar. Quem não conhece alguém que renasceu melhor depois de uma doença grave? Os tais reforços positivos fazem sentido pra mim. Eu acredito muito que quando estamos com uma nuvem negra sob nossas cabeças, a tempestade vem e, com ela, um monte de coisas desordenadas e estabanadas. Que quem tem muito medo de bicho papão acaba encontrando-o embaixo da cama. Ainda que todos nós tenhamos problemas, a opção de sermos vítimas ou protagonistas é nossa. De mais ninguém. Dentro daquela linha “tô meio cansada de gente assim”, ando meio revoltada com as choramingações alheias. Mas, sociável que sou, confesso que, pra não ficar chato, até dou uma grunidinha vez ou outra. Senão o papo nem começa. “Dia cinza este, não?”

terça-feira, 4 de junho de 2013

Guru de dentro.

Eu escrevi aqui no blog certa vez a história que um indiano me contou de que Deus se esconde dentro da gente e, por procurarmos por ele em toda parte, o tempo todo, esquecemos de buscar justo dentro de nós, onde ele vive, afinal. Somos nossos próprios deuses e, portanto, responsáveis por nossos céus e infernos. Tem a ver também com o tal figura do líder, tão polêmica dentro e fora das empresas. Estou cada dia mais cética com a busca de algumas pessoas por um "ente" especial que diria a elas o que fazer, quando fazer, como fazer. Uma criatura acima da média, "dona da verdade," capaz de, além de pensar no seu destino, determinar o dos outros também. Quantas vezes tentamos entregar nossas vidas nas mãos de alguém por falta de coragem de a tomarmos em nossas mãos? Lamento. Ninguém, que não nós mesmos, com nossas pequenas grandes escolhas, pode construir a nossa história. Somos nós que, conscientemente ou não, fizemos escolhas, erramos, acertamos e nos tornamos quem somos. Mais que líderes e mestres, quero estar perto de pessoas felizes e realizadas que, livres que são, fazem aquilo que sentem e vibram com suas escolhas. Por estarem assim tão leves, acabam inspirando, provocando e tirando de nós boas coisas que adormeciam nos nossos medos infantis. Elas não ditam, não mandam, não discursam. Tampouco se queixam. Não querem ser exemplo e não fazem o que fazem para agradar ninguém, que não a si mesmas. Erram e acertam porque estão vivas. E porque se permitem experimentar coisas diferente do padrão, são o que são, de dentro pra fora. E isto já é muito.

domingo, 2 de junho de 2013

Apenas cinco.

Ontem a tarde foi cinza e chuvosa. E meu marido aproveitou para colocar em dia aquela interminável lista de filmes que os amigos dos amigos indicam e nunca conseguimos ver. Nem o acompanhei. Aproveitei a paz do recinto para colocar minhas coisas em ordem. Mas, curiosa que sou, quis saber dos enredos. O último dele contava a história de uma menina que "fez América na capital", ou seja, deixou a casa dos pais bem cedo e foi embora começar uma nova vida na cidade grande. Lá se descobriu, construiu uma carreira, uma vida. Casou, conquistou muita coisa bacana e, num belo dia, sofreu um acidente e perdeu a memória. O fim da meada da história é justamente a tentativa de resgate dela por ela mesma. Voltou para a cidade de origem, reencontrou pessoas e, aos poucos, foi remontado as peças do quebra-cabeças da própria vida. Não sei como terminou o filme, nem se ela recuperou a memória e foi feliz para sempre. Mas fiquei brincando de exercitar o "e se" e pensei o que eu faria se algo assim acontecesse comigo. Claro, não teria a consciência de buscar um caminho lógico assim mas, tateando, chegaria a algumas pessoas que resgatariam fatos que, enfim, me contariam um pouco de quem eu me tornei até o presente momento. O exercício seguiu e cheguei a um pequeno desafio pessoal. E se eu fosse escolher cinco pessoas, somente cinco, que pudessem, com muito cuidado e propriedade, reapresentar a Andréa a ela mesma, quem seriam elas?  Resgataria algum amigo de infância que me contaria causos da Andréa estudante? Alguém da faculdade, certamente, minha irmã, provavelmente. Quem mais? Como numa edição de um filme, a escolha das cenas faz toda a diferença no resultado final. Algumas falas diriam muito de um alguém que fui e ficou pra trás. Outras, ainda que atuais, jamais trariam pedaços ocultos que só os bem íntimos puderam viver comigo. Cada conjunto de cinco, dependendo da configuração que eu montasse, traria faces minhas muito próprias, todas elas diferentes entre si. E ainda assim, todas muito minhas. Assim é o filme da vida. Feito de pedaços de quem pensamos que somos e de outros tantos que as pessoas nos ajudam a ser, em suas falas, percepções, em suas lentes que também moldam. Fica o convite. E se você fosse escolher cinco, apenas cinco, quem seriam?

* By the way, pra quem quiser saber o fim "desta história", o nome do filme é The Wov :)


Membrana permeável.

Tenho conversado muito sobre esta história de "construir histórias", e não, simplesmente contá-las. Vale para uma empresa, que constrói sua marca, sua bagagem, seu DNA a partir das inúmeras interações que tem com todos os seus públicos. Não existe a ilusão do controle, de que se faz algo e sai por aí divulgando, como se as pessoas fossem aceitar sem questionar. Vale para as nossas identidades pessoais.
Somos o que somos pelas interações que vivemos, pelas pessoas com quem convivemos, pelos lugares onde estivemos, e assim vai. Mas para que esta construção seja realmente rica e plena em possibilidades, é preciso um exercício de desapego, de libertar-se de algumas amarras, de conceitos pré-concebidos para, então, deixar-se permear por outras influências, culturas, olhares, vivências. Conheço muita gente que roda o mundo e volta praticamente igual. Viaja numa grande bolha, não interage, não vive, não caminha, não experimenta. Vai e volta simplesmente. Casais que se fecham para o mundo, que não têm mais amigos e seguem juntos por absoluta falta de opção. Pena. Tão mais forte olhar lá fora e ainda assim voltar todo dia renovado e seguro de que aquela coisa toda, sim, faz sentido.
Não é preciso ir longe para provocar estas pequenas grandes mudanças. Saber escutar sem contra-argumentar é um primeiro passo bem bacana. Toda vez que eu faço um curso acabo me fundido não só com os conteúdos, mas com as histórias das pessoas. E assim, num verdadeiro efeito borboleta*, conheço gente que me apresenta outras e outras criaturas e que, aos poucos, mexem muito comigo.
Às vezes a vida nos obriga a testar a tal permeabilidade bem cedo. Quem mudou de cidade pra fazer faculdade sabe bem do que estou falando. Minha vinda para São Paulo foi também um pouco assim. Sem esta consciência toda da permeabilidade, entre optar por me queixar ou interagir, fui em busca da segunda opção. Fiz grandes amigos, conheci a cidade. Vivenciei como poucos e, depois de espernear um pouco (ok, um monte), deixei a grande capital se fundir com a minha alma. Aí a coisa fluiu. E não tive que esquecer quem sou, em essência, para fazer o movimento. Pelo contrário. Para que saibamos quem somos de fato, precisamos do contraste do outro como espelho. A beleza de ser está justo em relembrar nossos valores essenciais. Nos reafirmamos todos dia pelo núcleo que temos (da família, dos amigos etc) e pela dança maravilhosa de possibilidades que nossa membrana permeável nos oferece, tornando-nos seres mais leves, completos e, felizmente, mutantes.

* Efeito borboleta: pra quem não conhece e assim, muito simplificadamente, tem a ver com a teoria do Caos e com uma grande mudança desencadeada por um pequeno fenômeno. O bater de asas de uma borboleta pode, segundo a teoria, provocar fenômenos meteorológicos enormes do outro lado do planeta. Tem um filme com este nome (Efeito Borboleta), que fala sobre sobre o tal efeito. Na trama, o jovem, com capacididade sobrenatural, volta ao passado, faz pequenas mudanças, e reescreve sua história várias vezes.