segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Estar-se preso por vontade.

Nunca a frase do Legião Urbana fez tanto sentido pra mim. Inspirada no original de Camões, "é querer estar preso por vontade", o contexto apareceu na entrelinha de uma conversa com um ex-cliente, agora amigo. Ele acabou de se aposentar. E assistiu à minha palestra no TEDx Laçador. Ficou mexido. Me escreveu. Me contou coisas da vida, na sabedoria de quem viveu muito e segue aprendendo. Entre muitas reflexões, falou que esteve recentemente com ex-colegas do tempo do colégio. Todos na mesma fase da vida, se reinventando depois de longas jornadas corporativas. Segundo ele, o grande dilema desta etapa não está no adaptar-se às novas rotinas. O medo não é o de sentir falta do trabalho, mas o de passar por privação financeira. "Quanto mais cedo aprendermos que é possível viver com menos, mais coragem vamos ter para fazer aquilo que nos dá alegria de viver", contou. Tenho exercitado mentalmente este conceito de liberdade. E ele é bem maior que pegar uma mochila a qualquer momento e sair pelo mundo. Tem a ver com a sensação de ser livre para recomeçar e com imaginar isto possível todo dia de manhã, ainda que não o façamos. Com estar em projetos de clientes porque eles também alimentam nossas almas, e não somente porque precisamos deles para pagar as contas. Com conviver com pessoas que tiram o melhor de nós e com escolher não mais estar com outras tantas, que não acrescentam - e ainda subtraem. Liberdade é um sentimento. Não necessariamente uma ação. Ainda pensando a respeito das vidas corporativas, enxergo grandes escravos de luxo por aí, pessoas que não podem sequer questionarem as próprias carreiras porque jamais conseguirão ganhar nem perto do que recebem no lugar atual. E têm contas proporcionais à responsabilidade. Outros, por bem menos, tornam-se também escravos de carnês. Não pagar lhes tira a dignidade. Crédito é o seu cartão de visitas. O dinheiro, meus caros, aprisiona. Nos dois extremos, com igual crueldade. Mas pode também ser libertador. Falei na mesma palestra do TEDx sobre o lucro admirável, aquele de empresas cuja sociedade aplaude quando acontece. Usei como exemplo aquele amigo bacana que vibramos quando dá certo na vida porque sabemos que fará bom uso do que produzir. Vai viajar, fazer cursos. Vai tornar-se uma pessoa ainda mais bacana - e ainda compartilhar tudo por aí. Com dinheiro na mão, o fluxo flui. Ninguém vai para o inferno porque é capaz de gerar riqueza. Tem a ver com merecimento, com sermos reconhecidos porque somos capazes de produzir coisas boas. Falando ainda musicalmente, acho que o Frejat também resumiu muito bem esta história toda: "Eu desejo que você ganhe dinheiro pois é preciso viver também. E que você diga a ele pelo menos uma vez quem é mesmo o dono de quem."

Pra quem ainda não viu, segue o link da minha palestra no TEDx Laçador: 
http://www.youtube.com/watch?v=3hdznmYhIzE&feature=youtu.be


sábado, 17 de agosto de 2013

A dor da separação.

Carolina, 9 meses, segue me ensinando. Desta vez, minha grande professora me deu uma aula sobre a dor da separação. Tinha lido já a história de que o bebê humano vive 9 meses dentro da barriga e 9 meses fora. Somente então, está próximo de outro mamífero qualquer recém-nascido. É como se a saída da barriga fosse só parte do processo da gestação. Totalmente dependente, quase um apêndice da mãe, o bebê termina de ser formado fora, mas bem dentro. Pois bem, eis que a minha pequena começou a apresentar uns sintomas inquietos nas últimas semanas. Passou a acordar assustada à noite e a choramingar mais a minha presença. Acabei chegando a alguns artigos que falam na tal “dor da separação”. A grosso modo, a dor acontece mais ou menos quando o bebê descobre que ele e a mãe não são a mesma coisa. Passa a ter medo dela desaparecer. A fusão, antes tão intensa, começa a se desfazer e ele, o bebê, passa a descobrir que existe por si, que é um ser humano integral, e não parte da mãe. Isto dói. Dá medo. Mas faz crescer. É, portanto, uma fase fundamental. Para a mãe, que tem que estar perto, é preciso passar segurança, tranquilidade. Para os demais que convivem com a criança, também. Não dá mais para voltar para o útero. O próximo estágio é ir em frente, caminhar, descobrir o mundo. Dói mais pra mãe, às vezes.
Esta semana, não por coincidência, estive com algumas mulheres fortes e corajosas. Falamos, por tabela, da tal dor da separação. Uma delas largou a carreira bem sucedida e, aos 40, foi viver um amor de verdade nos Estados Unidos. Largou a estabilidade, a casa bem montada, um emprego de fazer inveja às amigas e foi andar de bicicleta numa cidade pequena onde, claro, empreende com o novo marido. Casou e está recomeçando a viver. Outra, também largou a carreira corporativa e, com filhos pequenos, desenhou um novo negócio que vai colocar em prática a partir do ano que vem. Tudo a ver com ela. O olho brilha quando conta detalhes do projeto. Uma terceira, que conheci ontem à noite, do nada, no aniversário de uma grande amiga, estava em São Paulo para um final de semana relâmpago com o namorado, também americano, que conheceu num congresso meses atrás. Ela do Paraná, terapeuta. Ele psiquiatra. Ela, filhos pequenos. Ele, filhos criados. Ela não falava inglês. Estão aprendendo a se comunicar. E o inglês dela flui que é uma beleza perto dele. Não há planos de futuro. Não há perspectivas. Mas estão vivendo a história em encontros pelo mundo, quando dá. Step by step.
Não são histórias de amor. São, no meu ponto de vista, histórias de pessoas que têm a coragem de viver a dor da ruptura. Que se expuseram para o novo e se libertaram de amarras. Aos 9 meses, passamos pela primeira de muitas destas quebras. A ida para o colégio, a saída da casa dos pais (no meu caso, aos 17 anos), a mudança de cidade, um novo emprego, um projeto que sai do papel. E não precisa mudar de país ou largar o emprego para viver estas quebras. Às vezes, as mudanças são sutis. Ainda assim, intensas e transformadoras. Todas elas carregam em suas essências as estrias do crescimento, o frio na barriga do desconhecido. Mas são graças a elas que temos a infinita capacidade de nos reinventarmos. A descoberta da Carolina de que ela é só é também uma feliz oportunidade de se perceber única. E cheia de possibilidades. Quando descobrimos que somos, de fato, sozinhos, isto nos liberta. Estamos com as pessoas – pelo tempo que for – porque nos enxergamos através delas. São todas bem-vindas. Mas a trajetória é nossa. O dia que descobrirmos que somos nós os verdadeiros amores das nossas vidas, a dor pode doer menos. Ou, se doer, ao menos é uma dor que abre novos caminhos. E não aquela que nos aprisiona como crianças amedrontadas embaixo da cama.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Entusiasmo.

Tem um monte de gente que eu curto, admiro, gosto de ler, ouvir. O Eduardo Galeano é um deles. Descobri um videozinho recente, direto da Praça Catalunya, na Espanha, onde ele fala, entre outras coisas, sobre o conceito de entusiasmo. Do grego, tem a ver com "ter os deuses dentro". Já comentei por aqui de um indiano que me contou que Deus vive dentro da gente. E já falei sobre "voltar a beber na própria fonte". Tudo a mesma coisa. Tudo faz muito sentido pra mim. Ora, se os deuses vivem dentro da gente, não dá pra tentar enfiá-los "goela abaixo" nos corpos de outras pessoas. Eles já estão lá, adormecidos. Cabe a nós, se quisermos, tentarmos despertá-los. Já nascemos empoderados. Temos todas as ferramentas. Mas a escolha de usá-las ou não é somente nossa.
Nunca vi tanta gente desanimada, reclamando. Também nunca encontrei tanta gente "entusiasmada" por aí. Gente que tem tomado as rédeas da própria vida e recriado suas histórias. Que tem construído legados. Este é outro conceito que eu gosto muito. E que aprendi com o Nuno, um português amigo também já citado em posts anteriores. Segundo o que ele me contou, morremos quando deixamos de ser lembrados. Não quando nosso corpo vai embora. Quando construímos algo tão bacana em vida, que somos citados de forma recorrente em conversas, mesmo quando já não estivermos por aqui.
Nesta semana encontrei uma turma "entusiasmada" de jovens, num projeto lindo de uma empresa de tecnologia. Engenheiros, ex-bancários, todos podiam estar curtindo uma aposentadoria generosa. Mas decidiram empreender. Não contentes com isto, têm criado encontros inovadores dentro da empresa. Fui chamada como "inspiradora" de um deles. Tem a ver com novos modelos de educação e com a descoberta de novos talentos. Colocaram 9 meninos (e uma menina), de 12 a 18 anos, classes sociais diferentes, vivências diversas, numa sala por algumas semanas (uma manhã por semana) para aprenderem alguns conteúdos e para pensarem nos seus futuros. Mostraram o mercado, contaram o bastidor de uma empresa de verdade e os ajudaram a enxergar o futuro. Quem deu as aulas? Os funcionários. Quem ajudou no fechamento? Euzinha. Uma delícia. Fiz com eles uma dinâmica de resgatar, num texto escrito a mão (eles não têm o hábito de escrever), cinco pessoas que foram fundamentais para chegarem ali naquele momento. Criaturas que foram definitivas na construção das suas personalidades. Apareceram, além de mães, pais e amigos, o Bob Dylan, o Steve Jobs, um tio amoroso que sempre jogou videogame com um deles e até a figura do game Pacman. Fiz o exercício mentalmente enquanto eles escreviam. E me revi crescendo e formando quem eu sou. Apareceu, claro, o meu pai, sempre uma referência intelectual pra mim, que me contou que eu escrevia bem, que carregava minhas poesias recortadas na carteira. Nunca morreu na minha memória. Ao mesmo tempo, pegando carona com o Nuno, me pego pensando em como serei lembrada daqui a alguns anos, quando não estiver por aqui. Serei, afinal, lembrada? Por quem? Em que contexto? Nascer e morrer não são escolhas que possamos controlar. Mas com 8 ou 80, temos sempre pela frente todas as possibilidades. Se depender dos meus deuses internos, animados como são, tenho muito trabalho pela frente. Tomara deixar na memória de alguns um pedacinho deste mundo novo que vem aí.

O link pro vídeo do Galeano que comentei. Conta que estamos parindo algo novo". "Hay otro mundo que nos espera", disse :) http://www.youtube.com/watch?v=j2IYgytRs90