Carolina, 9 meses, segue me ensinando.
Desta vez, minha grande professora me deu uma aula sobre a dor da
separação. Tinha lido já a história de que o bebê humano vive 9
meses dentro da barriga e 9 meses fora. Somente então, está próximo
de outro mamífero qualquer recém-nascido. É como se a saída da
barriga fosse só parte do processo da gestação. Totalmente
dependente, quase um apêndice da mãe, o bebê termina de ser
formado fora, mas bem dentro. Pois bem, eis que a minha pequena
começou a apresentar uns sintomas inquietos nas últimas semanas.
Passou a acordar assustada à noite e a choramingar mais a minha
presença. Acabei chegando a alguns artigos que falam na tal “dor
da separação”. A grosso modo, a dor acontece mais ou menos
quando o bebê descobre que ele e a mãe não são a mesma coisa.
Passa a ter medo dela desaparecer. A fusão, antes tão intensa,
começa a se desfazer e ele, o bebê, passa a descobrir que existe
por si, que é um ser humano integral, e não parte da mãe. Isto
dói. Dá medo. Mas faz crescer. É, portanto, uma fase fundamental.
Para a mãe, que tem que estar perto, é preciso passar segurança,
tranquilidade. Para os demais que convivem com a criança, também.
Não dá mais para voltar para o útero. O próximo estágio é ir em
frente, caminhar, descobrir o mundo. Dói mais pra mãe, às vezes.
Esta semana, não por coincidência,
estive com algumas mulheres fortes e corajosas. Falamos, por tabela,
da tal dor da separação. Uma delas largou a carreira bem sucedida
e, aos 40, foi viver um amor de verdade nos Estados Unidos. Largou a
estabilidade, a casa bem montada, um emprego de fazer inveja às
amigas e foi andar de bicicleta numa cidade pequena onde, claro,
empreende com o novo marido. Casou e está recomeçando a viver.
Outra, também largou a carreira corporativa e, com filhos pequenos,
desenhou um novo negócio que vai colocar em prática a partir do ano
que vem. Tudo a ver com ela. O olho brilha quando conta detalhes do
projeto. Uma terceira, que conheci ontem à noite, do nada, no
aniversário de uma grande amiga, estava em São Paulo para um final
de semana relâmpago com o namorado, também americano, que conheceu
num congresso meses atrás. Ela do Paraná, terapeuta. Ele
psiquiatra. Ela, filhos pequenos. Ele, filhos criados. Ela não
falava inglês. Estão aprendendo a se comunicar. E o inglês dela
flui que é uma beleza perto dele. Não há planos de futuro. Não há
perspectivas. Mas estão vivendo a história em encontros pelo mundo,
quando dá. Step by step.
Não são histórias de amor. São, no meu
ponto de vista, histórias de pessoas que têm a coragem de viver a
dor da ruptura. Que se expuseram para o novo e se libertaram de
amarras. Aos 9 meses, passamos pela primeira de muitas destas
quebras. A ida para o colégio, a saída da casa dos pais (no meu
caso, aos 17 anos), a mudança de cidade, um novo emprego, um projeto
que sai do papel. E não precisa mudar de país ou largar o emprego para viver estas quebras. Às vezes, as mudanças são sutis. Ainda assim, intensas e transformadoras. Todas elas carregam em suas essências as estrias
do crescimento, o frio na barriga do desconhecido. Mas são graças a
elas que temos a infinita capacidade de nos reinventarmos. A
descoberta da Carolina de que ela é só é também uma feliz
oportunidade de se perceber única. E cheia de possibilidades. Quando
descobrimos que somos, de fato, sozinhos, isto nos liberta. Estamos
com as pessoas – pelo tempo que for – porque nos enxergamos
através delas. São todas bem-vindas. Mas a trajetória é nossa. O
dia que descobrirmos que somos nós os verdadeiros amores
das nossas vidas, a dor pode doer menos. Ou, se doer, ao menos é uma
dor que abre novos caminhos. E não aquela que nos aprisiona como
crianças amedrontadas embaixo da cama.