segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Vivo de presente

Meu pai foi um cara bacana que me ensinou a apreciar boas coisas da vida: a literatura, as artes, a história. Ele também apreciava antiguidades. Na verdade, tínhamos um verdadeiro museu nas nossas casas (na cidade e no campo). Muito doido conviver desde pequena com aqueles objetos todos como se fosse normal ter em casa tanta coisa rara (e frágil) ao nosso alcance. Eu e meus irmãos aprendemos desde sempre que não era pra mexer porque eram do papai. Convivemos com eles com a normalidade de quem cresceu assim. E com aquela "coisa" de que não podiam quebrar porque eram importantes e tinham história. De alguma forma, ter estes exemplares em casa era como viver de passado. Cada um deles trazia energias (boas e ruins) e uma importância acima do normal, especialmente para pessoas como o meu pai. A palavra desapego, totalmente budista, passava longe da sua personalidade. E aprendi, com isto, a respeitar e valorizar as coisas, a entender o que era belo e devia ser cuidado. Concordo com isto e me orgulho de ter sido uma criança super educada e, mesmo saudável e "criativa", bem cuidadosa com a casa (a nossa e a dos outros) e as pessoas. Tudo de bom isto. Mas esta coisa de viver de passado também me incomodava um pouco. Na verdade, me incomodava e eu não percebia. Fui me dando conta aos poucos, principalmente nos últimos tempos em que aprendi a a importância de me desapegar do passado. Esta coisa de esperar das pessoas que elas se comportem da mesma forma, que não mudem, que não quebrem de vez em quando, é meio injusta e, a meu ver, é pedir demais e esperar de menos de cada uma delas. Tive que aprender a me desapegar do passado, de algumas pessoas e fui capaz de construir uma nova história, primeiro em Porto Alegre, agora em São Paulo. Aqueles objetos que eu tinha como absolutamente importantes para a minha formação como pessoa hoje estão no RS, no meu antigo apartamento, e eu não sinto a menor falta. Trouxe algumas canecas de viagens (adooooro canecas), mas muito pouco do resto que eu tinha por lá. Foi uma delícia descobrir que a Andréa pode recomeçar e que pode ter menos coisas pra viver. Menos e mais significativas. Que pode se desprender do passado sem abrir mão das raízes e que sabe que planejar é bom, mas viver de presente é mais importante do que respirar passado ou futuro. Viver o hoje, enfim. A revista Vida Simples (amo) deste mês trouxe uma proposta interessante. Propõe, baseada num livro, que nos desapeguemos de 50 objetos importantes na nossa vida. Tem a ver com o tal desapego e com a impermanência do Budismo. Nossas células mudam, as pessoas mudam. Por que não mudar também? Não fiz o exercício ainda, mas estou bem tentada a experimentar. De repente junto como tal ritual de abrir mão de cada uma das 50 coisas, posso, simbolicamente, me libertar de algumas máscaras e personagens que estavam incorporados a cada um daqueles momentos. Claro, não abro mão de reviver boas histórias em fotos e objetos de viagens, por exemplo. Mas também não quero / consigo trilhar o caminho de volta ao passado e me apegar a algo que já foi e nunca voltará a ser. Este talvez seja um importante segredo da vida. Nós e os outros nunca seremos os mesmos. Daqui a cinco minutos estaremos diferentes. O desafio é conseguirmos conviver ainda assim e nos redescobrirmos / reapaixonarmos pelas mesmas pessoas a cada segundo. Alguém disse que seria fácil?

link para a reportagem da Vida Simples que eu comentei: 
http://vidasimples.abril.com.br/edicoes/0102/grandes_temas/desapego-raca-615380.shtml