domingo, 2 de junho de 2013

Apenas cinco.

Ontem a tarde foi cinza e chuvosa. E meu marido aproveitou para colocar em dia aquela interminável lista de filmes que os amigos dos amigos indicam e nunca conseguimos ver. Nem o acompanhei. Aproveitei a paz do recinto para colocar minhas coisas em ordem. Mas, curiosa que sou, quis saber dos enredos. O último dele contava a história de uma menina que "fez América na capital", ou seja, deixou a casa dos pais bem cedo e foi embora começar uma nova vida na cidade grande. Lá se descobriu, construiu uma carreira, uma vida. Casou, conquistou muita coisa bacana e, num belo dia, sofreu um acidente e perdeu a memória. O fim da meada da história é justamente a tentativa de resgate dela por ela mesma. Voltou para a cidade de origem, reencontrou pessoas e, aos poucos, foi remontado as peças do quebra-cabeças da própria vida. Não sei como terminou o filme, nem se ela recuperou a memória e foi feliz para sempre. Mas fiquei brincando de exercitar o "e se" e pensei o que eu faria se algo assim acontecesse comigo. Claro, não teria a consciência de buscar um caminho lógico assim mas, tateando, chegaria a algumas pessoas que resgatariam fatos que, enfim, me contariam um pouco de quem eu me tornei até o presente momento. O exercício seguiu e cheguei a um pequeno desafio pessoal. E se eu fosse escolher cinco pessoas, somente cinco, que pudessem, com muito cuidado e propriedade, reapresentar a Andréa a ela mesma, quem seriam elas?  Resgataria algum amigo de infância que me contaria causos da Andréa estudante? Alguém da faculdade, certamente, minha irmã, provavelmente. Quem mais? Como numa edição de um filme, a escolha das cenas faz toda a diferença no resultado final. Algumas falas diriam muito de um alguém que fui e ficou pra trás. Outras, ainda que atuais, jamais trariam pedaços ocultos que só os bem íntimos puderam viver comigo. Cada conjunto de cinco, dependendo da configuração que eu montasse, traria faces minhas muito próprias, todas elas diferentes entre si. E ainda assim, todas muito minhas. Assim é o filme da vida. Feito de pedaços de quem pensamos que somos e de outros tantos que as pessoas nos ajudam a ser, em suas falas, percepções, em suas lentes que também moldam. Fica o convite. E se você fosse escolher cinco, apenas cinco, quem seriam?

* By the way, pra quem quiser saber o fim "desta história", o nome do filme é The Wov :)


Membrana permeável.

Tenho conversado muito sobre esta história de "construir histórias", e não, simplesmente contá-las. Vale para uma empresa, que constrói sua marca, sua bagagem, seu DNA a partir das inúmeras interações que tem com todos os seus públicos. Não existe a ilusão do controle, de que se faz algo e sai por aí divulgando, como se as pessoas fossem aceitar sem questionar. Vale para as nossas identidades pessoais.
Somos o que somos pelas interações que vivemos, pelas pessoas com quem convivemos, pelos lugares onde estivemos, e assim vai. Mas para que esta construção seja realmente rica e plena em possibilidades, é preciso um exercício de desapego, de libertar-se de algumas amarras, de conceitos pré-concebidos para, então, deixar-se permear por outras influências, culturas, olhares, vivências. Conheço muita gente que roda o mundo e volta praticamente igual. Viaja numa grande bolha, não interage, não vive, não caminha, não experimenta. Vai e volta simplesmente. Casais que se fecham para o mundo, que não têm mais amigos e seguem juntos por absoluta falta de opção. Pena. Tão mais forte olhar lá fora e ainda assim voltar todo dia renovado e seguro de que aquela coisa toda, sim, faz sentido.
Não é preciso ir longe para provocar estas pequenas grandes mudanças. Saber escutar sem contra-argumentar é um primeiro passo bem bacana. Toda vez que eu faço um curso acabo me fundido não só com os conteúdos, mas com as histórias das pessoas. E assim, num verdadeiro efeito borboleta*, conheço gente que me apresenta outras e outras criaturas e que, aos poucos, mexem muito comigo.
Às vezes a vida nos obriga a testar a tal permeabilidade bem cedo. Quem mudou de cidade pra fazer faculdade sabe bem do que estou falando. Minha vinda para São Paulo foi também um pouco assim. Sem esta consciência toda da permeabilidade, entre optar por me queixar ou interagir, fui em busca da segunda opção. Fiz grandes amigos, conheci a cidade. Vivenciei como poucos e, depois de espernear um pouco (ok, um monte), deixei a grande capital se fundir com a minha alma. Aí a coisa fluiu. E não tive que esquecer quem sou, em essência, para fazer o movimento. Pelo contrário. Para que saibamos quem somos de fato, precisamos do contraste do outro como espelho. A beleza de ser está justo em relembrar nossos valores essenciais. Nos reafirmamos todos dia pelo núcleo que temos (da família, dos amigos etc) e pela dança maravilhosa de possibilidades que nossa membrana permeável nos oferece, tornando-nos seres mais leves, completos e, felizmente, mutantes.

* Efeito borboleta: pra quem não conhece e assim, muito simplificadamente, tem a ver com a teoria do Caos e com uma grande mudança desencadeada por um pequeno fenômeno. O bater de asas de uma borboleta pode, segundo a teoria, provocar fenômenos meteorológicos enormes do outro lado do planeta. Tem um filme com este nome (Efeito Borboleta), que fala sobre sobre o tal efeito. Na trama, o jovem, com capacididade sobrenatural, volta ao passado, faz pequenas mudanças, e reescreve sua história várias vezes.