terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Férias para a alma.

Esta quem me contou foi o Helio, um amigo querido cheio de histórias. Ele vai no mesmo barbeiro há anos. Destes bem tradicionais. Um senhorzinho gente boa, que construiu o salão com base nas relações, esta coisa humana que andou meio fora de moda e que parece, felizmente, dar sinais de que pode voltar. O Helio foi para o exterior. E viu numa loja uma tesoura linda, grandona, destas profissionais. Lembrou do Seu Barbosa. Sim, ele, o barbeiro, se chama Barbosa. Trouxe todo feliz e, no começo do ano, foi ao salão para entregar ao amigo. Eis que o Seu Barbosa não estava. Tinha tirado férias. "Que coisa boa", pensou. Não lembrava de tê-lo visto sair de férias nestes anos todos. Alguns dias depois, voltou. Tesoura em punho e um sorrisão na boca. Encontrou o Seu Barbosa. Mais sorrisos. Ainda mais depois de receber um presente tão personalizado. Aí a curiosidade o fez perguntar das férias. Pergunta de praxe. Para onde foi, como foi. Nordeste, uma praia, montanha? Será que teria se aventurado no exterior, já que está tão fácil nos dias de hoje? Feliz da vida, Seu Barbosa comentou que teve as férias mais lindas que podia ter tido. Ficou em casa, com a mulher. Ela está velhinha. Enxerga pouco. Ele trabalha muito. Se veem pouco. Aí ela pediu para ele ficar com ela. E ele ficou. Fazendo nada, cozinhando, conversando. Ficaram ali, dias a fio, ali, do lado. Hoje, numa reunião com duas assessoras de imprensa, falávamos sobre a Medicina. Elas comentaram o quanto os  médicos que gostam de gente têm chamado a atenção. Mas médico não devia gostar de pessoas? Não tem um quê de servir, de ouvir, de acolher, de cuidar intrínseco à profissão? Parece que andamos esquecidos de coisas bem essenciais. E os que se aventuram e criam coragem de voltar às raízes têm dado aula. Sempre comentei que as crianças são grandes professoras. Elas têm um entendimento do que realmente importa. Acho que vale para os mais velhos. Na mesma sala de espera da clínica médica, hoje, um senhor de 87 anos contou suas andanças pela vida. Falou da importância de se fazer o que gosta, de cuidar do corpo desde jovem. Foi um maestro gentil e amoroso na condução da conversa. Viveu o poder do agora. Estava inteiro, feliz, compartilhando suas narrativas pessoais. Tinha todo o tempo do mundo. Desconfio que boa parte do que nos alimenta como seres humanos tem a ver com nos reconhecermos em histórias como as destes dois senhores. Com relembrarmos o quanto os médicos de família tinham um papel social ao irem nas casas, ao saberem das histórias de quem se entregava em suas mãos. Amo viajar. Amo a tecnologia. Mas sei que que tem horas que menos tecnologia e mais prosa nos transformam.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Uma questão de tempo.

Neste fim de semana eu recebi um verdadeiro presente do Universo. Na verdade, foram dois. Um reforçou o outro. Os dois têm a ver com o tempo. Com dar tempo para que as coisas aconteçam. E com não perder tempo rascunhando a vida, como já recomendava o grande Mario Quintana.
Faz três meses que eu não escrevo no blog. Parece que nunca é a hora e quanto mais o tempo passa, menos parece ser o momento de retomar. "Teria que ser algo impactante, relevante", penso, com minha auto-crítica saindo pelos poros. Há três meses eu escolhi ficar mais quietinha, nas palavras, nas relações, observando mais, agindo menos. Aprendi a não apurar as coisas e a observar tudo o que semeei ao longo de trinta e poucos anos para ver o que começaria a brotar. Me tornei até um pouco estranha pra mim mesma. Menos Pollyana, menos disponível, mais contemplativa. A jornada do “The artist way”, curso de criatividade de doze semanas que vivi no fim do ano, certamente, contribuiu. Um fim de ano que parece que não acabou também. E eu aos poucos fui espiando tudo o que acontecia, à espera de alguma pista. Ei-la. Chama-se “About time” ou “Uma questão de tempo”, um filme que caiu no meu colo na semana passada e que assisti no sábado à noite. Eu sequer sabia que ele estava no cinema agora, no fim do ano. Tenho ido pouco ao cinema. Trata-se de um romance inocente que teria tudo para ser só mais um filme. O fato é que o enredo me tocou. Não sei quem é o diretor, nem busquei saber do roteirista. Mas me enxerguei vivendo o dilema do protagonista que, numa grande brincadeira da vida (um presente que os homens da sua família recebem aos 21 anos), teria o dom de voltar no tempo e reviver o que quisesse. Assim, quase que um jeito ilimitado, ele poderia viver o hoje, ousar mais amanhã e ir se reinventando ao longo dos dias revividos. Até que a chegada dos filhos muda tudo. E abre, ao mesmo tempo, novas possibilidades. Alguma semelhança com a vida real? Pois bem, com a simplicidade de um roteiro bem cotidiano, a narrativa desdobrou questões bem humanas e trouxe, com a profundidade merecida, a beleza das relações. Falou de tempo, da falta de tempo, do efêmero e do quanto pequenos gestos são capazes de mudar o todo. Ainda impactada pelo filme, recebi outro presente no domingo à noite. A leitura, em primeira mão, de um texto que se transformará em uma peça de teatro. Atriz incrível, pessoas incríveis, um texto rolando e uma noção de tempo infinito justo num domingo à noite, aquele período que parece sumir do calendário sem deixar nem um bilhete pelo caminho. Meu fim de domingo durou uma eternidade. E acabou em segundos. A peça ainda é um desenho. Mas já está viva no coração da grande atriz que a escolheu. Não posso abrir mais. Ainda. Mas posso dizer que estes dois textos mudaram minha própria narrativa pessoal. E casaram como uma luva com meu momento contemplativo, a ponto de me fazerem ter vontade de voltar a escrever. Assim, sem rascunhar. Como uma viagem daquelas que temos vontade de compartilhar com quem a gente ama, fiquei com vontade de dividir um pedaço da minha experiência através do filme com uma dezena de pessoas. Como fiquei bem a fim de levar pela mão amigos queridos à peça, que deve ser parida em meados de julho. Prometo mandar notícias. Sobre o mundo rosa – e os outros tons que tenho visto por aí, sobre o que tem me provocado, sobre a peça, sobre o tempo, sobre a minha desconfiança cada vez mais forte de que devemos colocar nossas energias no resgate daquilo que é essencial. E que o essencial é bem simples. Se você tiver tempo, dedique duas horinhas do seu ao filme. Sozinho ou bem acompanhado, simplesmente vá. Sem mais perguntas, sem planejar muito. Às vezes as boas surpresas vêm mesmo assim, totalmente despidas de glamour e expectativas.