domingo, 15 de abril de 2012

Xingu. Essência dos Villas-Bôas em nós.

Acabei de voltar do cinema. Fui assistir Xingu. Temia que fosse uma produção "forçada" de índios. E voltei encantada com que eu vi. Não só pela produção primorosa, mas pela entrelinha de tudo o que o filme passa. Hoje de tarde eu assisti no Youtube um vídeo do Bernardo Toro, no TEDx Amazônia. Falava sobre cuidado. E sobre coisas bem básicas e esquecidas dos seres humanos. O Maturana fala disto, assim como outros tantos filósofos / pensadores contemporâneos. Parece que algo se perdeu e estamos tendo que reaprender a sermos gente e a nos relacionarmos com as outras pessoas. O que os irmãos Villas-Bôas fizeram foi simplesmente resgatar a essência humana em cada índio que contataram. Os índios, como os brancos, têm medos, sentimentos, emoções. E os tratamos como se diferentes fossem. O grande legado que os irmãos deixaram, além do Parque, claro, foi o de olharem e reconhecerem naquelas pessoas tão diferentes - e tão iguais - a essência que os move: busca de reconhecimento, de relações, de vínculos. E o fizeram não com uma ideologia sonhadora inocente. Entenderam a vida real e, mesmo assim, souberam agir, dentro de condições bem adversas e de contextos políticos bem fortes e questionáveis. Ao invés de se contentarem com suas condições bem sucedidas na vida, souberam articular relações de poder, em São Paulo, Brasilia e, ao mesmo tempo, olharam nos olhos dos índios e encontraram e reconhecimento em cada um daqueles que confiaram neles. Não podemos ser inocentes e imaginarmos que "um mundo rosa é possível". Estamos dentro de um mundo bem real e material, onde relações de poder nos movem todos os dias. Esta foi a cartilha que nos ensinaram e a queimarmos numa fogueira talvez não seja um caminho necessariamente inteligente. Mas, com bastante pé no chão e entendimento desta realidade, dá sim para lembrarmos as nossas essências humanas e tentarmos, nas nossas vidas cotidianos, fazermos a diferença, escutando as pessoas e tocando-as com nossas vulnerabilidades. Tenho falado muito nos "gnomos que fazem". Pra mim, serão eles os grandes responsáveis por grandes mudanças que virão logo em seguida. Eles não estão ilhados em seus mundos mágicos. Mas dentro de mundos bem reais e nem sempre tão poéticos, aprendem e ensinam a arte de cuidar e, pouco a pouco, contagiam com suas energias. Felizmente, São Paulo, esta cidade tão "cinza", me apresentou muitos deles. Quem sabe um ou outro não está plantando uma sementinha como a que os irmãos Villas-Bôas fizeram há 50 anos? Boa semana pra nós!

* o vídeo que comentei do Bernardo Toro: http://www.youtube.com/watch?v=7oUUTuOx3eU

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Ciranda de roda

Já faz horas que o tal círculo vem me perseguindo. Nos encontros mensais das gestadoras, onde falamos sobre o resgate do feminino, nas palavras da Isabel Allende, no livro que estou lendo “La suma de los días”, nas conversas do Humberto Maturana, onde ele reforça que conversar nada mais é do que dançar juntos, dar voltas juntos, numa dança recursiva de colaboração, nos aprendizados do Art of Hosting, onde nos redescobrimos num grande círculo de quarenta pessoas. Muitas metáforas das nossas vidas são circulares, têm começo, meio e fim e recomeçam, com uma grande dança orquestrada e completamente perfeita. Nós é que “enquadramos” demais, pensamos demais e acabamos por entortar aquilo que estava literalmente “redondo”. As tais conversar circulares ancestrais ao redor do fogo e a continuidade delas, hoje, nas nossas mesas de jantar, em família ou com os amigos, nada mais são do que um resgate e uma lembrança daquilo que nos move de verdade como seres humanos que somos: nos alimentamos através do contato com o outro, nos reinventamos quando nos espelhamos nas pessoas, nos religamos com nossas existências cada vez que temos a consciência do quanto somos uma importante parte deste todo. Durante os dois dias em que estive com o Roberto Maturana, em São Paulo, aprendi muita coisa nova, me senti beeem burra em muitos momentos, tamanhas metáforas da biologia que ele utiliza e, mais adiante, quando relaxei e entendi o quão simples eram suas palavras, tive a certeza de que estes e outros ensinamentos não mudam ao longo dos tempos. Somos seres em eterna evolução mas o que nos move de verdade é bem simples e básico. Por trás de tantas teorias e jeitos de enxergar o mundo, buscamos todos as mesmas respostas para perguntas bem básicas: “Gosto do meu viver?”, “Quero o querer que eu quero”, perguntou Maturana. “Estamos dispostos a soltar nossas certezas para nos transformarmos de verdade?” As respostas têm a ver com um simples resgate de nossas famílias ancestrais, seres espontaneamente amorosos que, ao compartilharem o alimento, em círculo, aprendem a doce e difícil arte de conviver. Nas empresas, mudam apenas os nomes. E o resgate é o mesmo. Se não há conversas significativas, se não há prazer em compartilhar com o outro, não há sentido naquele encontro. Tenho experimentado com alguns clientes encontros literalmente circulares com suas equipes. Algo bem simples de fazer e tão esquecido. Quando as pessoas se olham nos olhos parece que a conversa flui e algo acontece. Em casa, tenho insistido em resgatar o ritual do jantar, com mesa bem bonita e uma boa conversa presente. Pode ser um círculo de dois ou, quando vêm os amigos, maior, cheio de boas energias. Sempre tive isto na minha infância. Ponto pra minha mãe, que sem nenhuma teoria e com grande sabedoria, conduzia este grande círculo familiar. Talvez o grande aprendizado deste tal 2012 seja olharmos para trás e resgatarmos as cirandas de roda que sempre nos moveram e que roubamos de nós mesmos nas correrias da vida.

domingo, 8 de abril de 2012

Robert Happe, Maturana e o coelho da Páscoa.

No carnaval passado, estive com o Robert Happe, um holandês “gnomo” que me foi apresentado por alguns anjos na Terra. Ele vive no Brasil há alguns anos e tem um sítio delicioso pertinho de São Paulo, onde organiza uns “retiros” para contar o que pensa sobre a vida. Meses mais tarde, em São Paulo, num encontro numa galeria de arte, descobri o Humberto Maturana, chileno, também bem vivido. Chegou de mansinho e trouxe, através de metáforas da biologia, sua maneira de ver e viver a vida.

No fundo, ambos, tão diferentes, falavam das coisas humanas e, apesar das aparentes distâncias culturais e espirituais, estão focados em entender melhor o que nos move enquanto seres que somos. Não por coincidência, os dois falaram dos nossos medos e do quanto eles nos impedem de sermos quem somos de verdade. Um deles, o Robert, falava das necessidades humanas, enquanto Maturana contou o que, no seu ponto de vista, são nossos direitos universais.

Neste domingo de Páscoa, achei bem oportuno dedicar alguns minutos a reencontrar o que eu vivi com eles e buscar, nas palavras e vivências destes senhores simpáticos de cabelos grisalhos, força e motivação para renascer.

Segundo o Robert, existem cinco necessidades humanas que precisam ser observadas e respeitadas. A primeira, é a necessidade de entendermos o nosso verdadeiro poder. Poder como habilidade irrestrita que temos para agir. O poder individual nada mais é que a nossa conexão com o fluxo divino do livre arbítrio, que faz você saber que deve agir de uma forma livre para preencher suas necessidades. Poder no sentido bem básico, aquele que te dá segurança para saber que você pode cuidar de si mesmo e que pode fazer sua vida funcionar. Se você não se conecta com este poder, todas as suas outras necessidades ficam limitadas. A segunda necessidade humana é a necessidade de liberdade. Ser livre em movimentos e pensamentos. Quando você consegue, você permite que os outros também tenham suas liberdades. Esta liberdade não é negociável. Você precisa ter claro que tem o controle sobre a sua vida, que você depende de você mesmo e que pode ser capaz de pensar por si. E é esta liberdade que te dá a oportunidade de repensar tudo. O tempo todo. Você tem liberdade de ser você mesmo. A terceira necessidade é a de expressar-se de forma criativa. Você precisa, enquanto ser humano, encontrar um jeito único e valoroso de se expressar. Não vale só para músicos e artistas, mas tem a ver com uma expressão criativa de uma pessoa verdadeiramente livre: espontaneidade, senso de alegria. Quando nos expressamos, ficamos felizes. Temos uma necessidade urgente de fazer algo novo. Por isto, precisamos urgentemente desenvolver novas habilidades. É este espírito criativo o que nos motiva a levantar todo dia de manhã. A quarta, é a necessidade de conexão. Temos necessidade de nos afiliarmos, de compartilharmos sonhos. Cooperar é bem mais interessante do que fazer as coisas sozinhos. O jogo é mudar a estratégia da competição pela de cooperação. Adiamos o tempo todo esta nossa capacidade de cooperar, de nos conectarmos, por puro medo, por não reconhecermos o poder que isto tem. A quinta necessidade, finalmente, tem a ver com nossa vontade de encontrarmos significado para tudo, para que este mundo faça sentido para nós, seres naturalmente curiosos. Este é o quebra-cabeça que nos move, são estes jogos de expansão da conciência e auto-desenvolvimento mexem com a gente. Esta necessidade nos ajuda a compreendermos nosso verdadeiro papel no mundo. Pra que eu existo, afinal? Sem significado, a vida é um ciclo de ações sem sentido e cheia de dor. Aí vem o caos. Encontrar significados é uma atividade espiritual.

Necessidades humanas (by Robert Happe):
1) encontrarmos nosso verdadeiro poder
2) necessidade de liberdade
3) nos expressarmos de forma criativa
4) necessidade de conexão
5) encontrarmos significado

O Maturana, sem nenhum viés espiritual da conversa, na verdade totalmente científico, e igualmente sábio e vivido, trouxe um outro olhar bem humano sobre as nossas inquietações. E comentou sobre três direitos humanos. Segundo ele, temos o direito de nos equivocarmos, de mudarmos de opinião e o direito de ir, a qualquer momento. Falou sobre nossas famílias ancestrais, sobre o resgate do prazer de estarmos juntos, da importância dos espaços de bem-estar na convivência. E falou nas conversas, no conviver. “Conversar é dançar juntos, estar com o outro, colaborar.” Todo o viver humano ocorre em redes de conversações. Para Maturana, os processos de transformações culturais acontecem através de pessoas audazes. Não ocorre porque são moda. Mas têm a ver com abrir o olhar e ter coragem de começar. Falou também no tal “medo”, que paraliza, e fez um convite para tentarmos vivermos sem tanto esforço.

O Robert e o Maturana provavelmente nunca se cruzaram na vida. Construíram trajetórias bem distintas, viajando pelo mundo em busca de novas perguntas para suas dúvidas tão mundanas. Não sei se acreditam em coelhos da Páscoa, nem se comemoram a data de hoje com suas famílias, tenham elas o modelo que tiverem. Mas os dois, cada um de sua forma, falam, o tempo todo, sobre o milagre da ressurreição. Eles, a seus modos, acreditam na nossa liberdade de tomarmos nas mãos as rédeas das nossas vidas e vivermos uma vida mais leve, afinal. E de recomeçarmos do zero a hora que tivermos vontade / coragem. Fica o convite para a reflexão e uma tentativa, minha, principalmente, de descomplicar um pouco para exercermos nossos direitos e necessidades de um jeito bem alegre e livre. 
Feliz Páscoa. Ho ho ho.