terça-feira, 26 de abril de 2011

O tigre e o veado

 Pois bem. Estou de volta depois de alguns dias estonteantes na India e, finalmente, no Butão. A viagem não poderia ter sido mais perfeita. Foi preparada com cuidado cirúrgico para irmos nos ambientando e preparando nossos corpos e espíritos para o que estava por vir. Na chegada, Dehli, com seu misto de cheiros, barulhos e cores. No dia seguinte, pé na estrada. Muuita estrada. Fomos em direção ao extremo nordeste da India, aquela pontinha beeem na direita, quase invisível. Lá, na região chamada Assam, ficamos no parque do Kaziranga, gigante, lindo, imponente. O parque abriga as espécies mais inesperadas de animais e é reconhecido como refúgio mais importante do rinoceronte indiano de um só chifre (foi a Wikipédia que disse). Pois bem, meu primeiro, melhor, segundo contato com a India foi bem impactante e inesperado. Depois de um trecho de avião e estrada quase sem fim (com emoção, vacas e caminhões doidos e cheios de enfeites pelo caminho), chegamos, quase à meia-noite, na pousada que nos hospedaria por alguns dias. Tudo muito diferente da India que eu via imaginava. Imagino que é como os estrangeiros enxergam o Brasil quando chegam por aqui e encontram tanta diversidade. O hotel era uma antiga casa de caça inglesa. E fica numa região extremamente pobre da India. Os guias, o turismo, tudo gira em torno do parque, que é lindo e abundante. E funciona só seis meses por ano. Nos demais, chove e alaga tudo. Muito doido. No primeiro dia, grandes emoções e um passeio de elefante logo de madrugada. Quando vimos o primeiro rinoceronte, nooooossa, quanta emoção. Ele ali, a alguns metros e nós ali, em cima do elefante, do ladinho. Misto de medo e euforia. E seguimos o baile. No caminho, um ou outro veado camuflados foram se revelando. No primeiro deles, fotos, comentários. No décimo, já começávamos quase irritadas por ele estar "atrapalhando" possibilidades de vermos outros bichos mais raros e menos repetidos.
O ponto alto da viagem aconteceu de tarde. Nosso guia, super simpático e sorridente, estava realmente orgulhoso em nos acompanhar e vibrava com nosso respeito e interesse pelo que víamos. Ele tinha olhos vibrantes e curtia conosco cada descoberta, como se fosse a primeira vez. Um macaco velho que não perdeu o jeito de sorrir. Cheio de lendas e histórias, contou, empolgado, que tínhamos uma chance, muito remota, de vermos um tigre de verdade assim, na nossa frente. Para isto, teríamos que esperar a tarde cair, em silêncio. Perguntou se topávamos o desafio e se teríamos paciência para a missão. Claro que sim, foi o que dissemos. Ficamos exatas três horas parados no jeep, aguardando. Mal respirávamos e, enquanto estávamos ali, absorvendo aquele cheiro de mato, vimos muita coisa linda acontecer na nossa frente. No pacote, elefantes selvagens que atravessaram a alguns metros do carro, rinocerontes, claro, e algumas aves bem exóticas e lindas. Mas não estávamos tão preocupados assim com eles. Queríamos o difícil. Queríamos ver o tigre!
E não é que ele veio? Quando o parque estava quase por fechar (tínhamos que sair - eles são bem rígidos com as regras), avistamos um sinal meio cor de laranja saltando no meio da vegetação alta. Euforia, medo, excitação, adrenalina. Depois do "sinal", ficamos praticamente sem respirar, dividindo-nos em fatias de visão, com ângulos de 90 graus para cada um. Não podíamos perder um milímetro de mato, sob pena de perdermos o espetáculo que tanto esperamos. Eis que, literalmente aos 45 segundos do segundo tempo, ele apareceu. Majestoso, lindo, tranquilo, literalmente desfilando nas nossas frentes. Não consegui tirar foto. Não filmei. Felizmente a Monique teve mais sangue frio e registrou a cena. Foram alguns segundos intermináveis vendo aquela criatura atravessar a estrada a alguns metros dos nossos olhos. Ele sequer olhou para o lado. Nos ignorou e passou, no seu tempo, com suas cores e músculos resplandecentes.
Fiquei me questionando por que esperamos tanto e o quanto aquele momento tão volátil marcou tanto a nossa viagem. E não resisti em fazer um paralelo sobre nossas vidas, sobre os veados (ou qualquer outro bicho mais ou menos "commoditie") nas nossas vidas X o tigre (único, difícil, raro, seguro de si). Não queremos veados, pessoas óbvias ou criaturas repetidas. Nossa busca, desde o tempo de nossos antepassados, sempre teve mais gosto com o que era diferente, com o que dá trabalho. Somos mais ricos quando encontramos um companheiro / companheira que nos desafie, que nos faça ter paciência, aguardar e respeitar o tempo das coisas e que, quando surgem, enchem nossa vida de emoções e sutilezas. Tem gente que se contenta com a primeira foto, com o primeiro relato. Não nasci pra isto. Quero tigres, viagens que me provoquem, pessoas que me façam crescer e repensar minhas ideias. Se você também é chegado em tigres e desafios, aguarde. Tem mais relatos nos próximos posts, deste e dos outros lados da India. Como plus, tem até o Butão. Ufa, respira, Andréa.