Esta quem me contou foi o Helio, um amigo querido cheio de
histórias. Ele vai no mesmo barbeiro há anos. Destes bem tradicionais. Um senhorzinho
gente boa, que construiu o salão com base nas relações, esta coisa humana que
andou meio fora de moda e que parece, felizmente, dar sinais de que pode voltar. O
Helio foi para o exterior. E viu numa loja uma tesoura linda, grandona, destas
profissionais. Lembrou do Seu Barbosa. Sim, ele, o barbeiro, se chama Barbosa. Trouxe todo
feliz e, no começo do ano, foi ao salão para entregar ao amigo. Eis que o Seu Barbosa não estava. Tinha tirado férias. "Que coisa
boa", pensou. Não lembrava de tê-lo visto sair de férias nestes anos todos. Alguns dias depois, voltou. Tesoura em punho e um
sorrisão na boca. Encontrou o Seu Barbosa. Mais sorrisos. Ainda mais depois de
receber um presente tão personalizado. Aí a curiosidade o fez perguntar
das férias. Pergunta de praxe. Para onde foi, como foi. Nordeste, uma praia,
montanha? Será que teria se aventurado no exterior, já que está
tão fácil nos dias de hoje? Feliz da vida, Seu Barbosa comentou que teve as
férias mais lindas que podia ter tido. Ficou em casa, com a mulher. Ela está
velhinha. Enxerga pouco. Ele trabalha muito. Se veem pouco. Aí ela pediu para
ele ficar com ela. E ele ficou. Fazendo nada, cozinhando, conversando. Ficaram ali, dias a fio, ali, do lado. Hoje, numa reunião com duas assessoras de
imprensa, falávamos sobre a Medicina. Elas comentaram o quanto os médicos que gostam de gente têm chamado a
atenção. Mas médico não devia gostar de pessoas? Não tem um quê de servir, de
ouvir, de acolher, de cuidar intrínseco à profissão? Parece que andamos
esquecidos de coisas bem essenciais. E os que se aventuram e criam coragem de
voltar às raízes têm dado aula. Sempre comentei que as crianças são grandes
professoras. Elas têm um entendimento do que realmente importa. Acho que
vale para os mais velhos. Na mesma sala de espera da clínica médica, hoje, um
senhor de 87 anos contou suas andanças pela vida. Falou da importância de se
fazer o que gosta, de cuidar do corpo desde jovem. Foi um maestro gentil e
amoroso na condução da conversa. Viveu o poder do agora. Estava inteiro, feliz,
compartilhando suas narrativas pessoais. Tinha todo o tempo do mundo. Desconfio que boa parte do que nos
alimenta como seres humanos tem a ver com nos reconhecermos em
histórias como as destes dois senhores. Com relembrarmos o quanto os médicos de família tinham um papel social ao irem nas casas, ao saberem das histórias de quem se entregava em suas mãos. Amo viajar. Amo a tecnologia. Mas sei que que tem horas que menos tecnologia e mais prosa nos transformam.
Nenhum comentário:
Postar um comentário